25 maio 2016

«pensamentos catatónicos (334)» - bagaço amarelo

O Amor não chega, pois não?

Um dia vou-me apaixonar para sempre, nem que seja a última coisa que faço na vida. Um dia antes de morrer, por exemplo. Nesse dia será mais fácil porque já não será necessário discutir a vida nem as formas de nela ser feliz.
Sei que se me apaixonar nesse dia e olhar para trás, para os Amores passados, vou sorrir como se olhasse para uma pequena borboleta que enquadrei e perdi de vista logo a seguir. É assim que são os Amores, tão esvoaçantes e trémulos quanto um qualquer voo errante.
Aviso: este não é um texto triste. É um texto que me liberta na mais maravilhosa das minhas condições: a de homem, tão pouco e muito importante como outro qualquer. Chama-se materialismo ou, se preferirem, um café um bagaço.
Quanto é que custa ser feliz? Quanto custa dar um abraço a um amigo triste ou a mão na rua ao namorado? Quanto custa dizer que se Ama alguém ou, pelo menos, que esse alguém é importante para nós? Não custa nada.
Mas se é verdade que quem conta um conto acrescenta um conto, não é menos verdade que nunca se fala dos pontos que andamos a tirar aos contos da nossa vida. Acrescentamos os contos que custam alguma coisa, e esquecemos os pontos que não custam nada. Tudo o que é importante tem que ter um preço, porque desaprendemos a viver sem esse falso Deus que é o preço do que se tem. Ou não tem, claro.
Tudo o que vivi de feliz nos últimos cinco dias da minha vida foi saber que a minha filha existe, um jantar com um primo distante, uma praia com uma amiga próxima e um abraço musicado por uma lágrima. Adivinhem! O custo foi o tempo que passou, que foi também o lucro da coisa.
Talvez um dia destes o mundo acorde e perceba que o défice que todos temos é perdermos a vida por causa dum défice que não o é de facto e, nesse dia, nunca mais ninguém me diga que o Amor não chega. Mesmo que um dia antes de morrer.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»