Já tinham falado de tudo, já tinham rido de si e dos outros (que dueto faziam, na arte da má-língua!), já tinham desconversado (sempre tinham sido excelentes na arte do desconversar), já se tinham contradito ao explicar a terceiros como se haviam conhecido, há tantos anos atrás (uma coisa de pormenor, mas ela levava a sério qualquer pormaior, como lhes chamava), já tinham desfrutado da companhia (nem sempre presente) um do outro e encontravam-se agora a usufruir de um daqueles silêncios confortáveis, só possíveis entre quem está plenamente à vontade consigo e com quem está. Ela juraria que ambos sorriam.
Sem aviso prévio, ele interrompeu-lhe a tranquilidade e atirou:
— Fala-me de ti.
— Como assim, "fala-me de ti"? Já fizemos a viagem do costume pelos meses em que não nos vimos, já voltámos ao passado, já falámos dos futuros, já partilhámos planos e inventámos projectos. Que queres que te diga?
— Fala-me da tua vida sentimental.
— Ó P., que disparate, a que vem isso agora?
— Gosto de saber de ti.
— Eu sei. Mas já te disse que sou feliz, que tenho amigos que me fazem rir e uma família que me adora e apoia incondicionalmente e um emprego que me completa. Sou feliz, é nisso que consiste a minha vida sentimental.
Ele rodeou-lhe os ombros com o braço forte, enquanto a bombardeava com um olhar redondo mas fugaz e deixou-a exceptuar-se a ouvir-se dizer que tinha medo. Medo de não ser a miúda apaixonada e temerária que ele conhecera há quase uma vintena de anos atrás. Medo de, nos anos em que não houve contacto entre eles, ter perdido a capacidade de acreditar. Medo de se ter tornado numa mulher cínica e seca, daquelas que já não choram quando assistem a uma comédia romântica nem invejam a heroína da história porque sabem que, depois do "The End", vêm os desencontros e as discussões e que que têm a certeza de que não existe o "they lived happily ever after" a não ser nos projectos lucrativos dos produtores de Hollywood e na cabecinha das jovens tontas, como ela era quando ele a conheceu. Medo de se ouvir dizer, uma vez mais, que não tem pachorra, nem disponibilidade mental, nem capacidade para mudar a sua vida (feliz, reiteraria, se ele inclinasse a cabeça para o lado, como faz sempre que não a leva a sério) um milímetro que seja por quem quer que seja porque, at the end of the day, nunca vale a pena e quem se lixa (ó-i-ó-ai) é sempre a tonta da romântica.
Ele deixou que ela não se ouvisse a dizer nada disto.
Ela agradeceu-lhe a amabilidade e amaldiçoou-lhe a capacidade de a pôr a pensar naquilo que faz por atirar para o saco das coisas a adiar.
E o silêncio, subitamente, desconfortou-a.
Sem aviso prévio, ele interrompeu-lhe a tranquilidade e atirou:
— Fala-me de ti.
— Como assim, "fala-me de ti"? Já fizemos a viagem do costume pelos meses em que não nos vimos, já voltámos ao passado, já falámos dos futuros, já partilhámos planos e inventámos projectos. Que queres que te diga?
— Fala-me da tua vida sentimental.
— Ó P., que disparate, a que vem isso agora?
— Gosto de saber de ti.
— Eu sei. Mas já te disse que sou feliz, que tenho amigos que me fazem rir e uma família que me adora e apoia incondicionalmente e um emprego que me completa. Sou feliz, é nisso que consiste a minha vida sentimental.
Ele rodeou-lhe os ombros com o braço forte, enquanto a bombardeava com um olhar redondo mas fugaz e deixou-a exceptuar-se a ouvir-se dizer que tinha medo. Medo de não ser a miúda apaixonada e temerária que ele conhecera há quase uma vintena de anos atrás. Medo de, nos anos em que não houve contacto entre eles, ter perdido a capacidade de acreditar. Medo de se ter tornado numa mulher cínica e seca, daquelas que já não choram quando assistem a uma comédia romântica nem invejam a heroína da história porque sabem que, depois do "The End", vêm os desencontros e as discussões e que que têm a certeza de que não existe o "they lived happily ever after" a não ser nos projectos lucrativos dos produtores de Hollywood e na cabecinha das jovens tontas, como ela era quando ele a conheceu. Medo de se ouvir dizer, uma vez mais, que não tem pachorra, nem disponibilidade mental, nem capacidade para mudar a sua vida (feliz, reiteraria, se ele inclinasse a cabeça para o lado, como faz sempre que não a leva a sério) um milímetro que seja por quem quer que seja porque, at the end of the day, nunca vale a pena e quem se lixa (ó-i-ó-ai) é sempre a tonta da romântica.
Ele deixou que ela não se ouvisse a dizer nada disto.
Ela agradeceu-lhe a amabilidade e amaldiçoou-lhe a capacidade de a pôr a pensar naquilo que faz por atirar para o saco das coisas a adiar.
E o silêncio, subitamente, desconfortou-a.