20 janeiro 2010

Quarto Crescente

Deixa o mundo inteiro à porta deste quarto onde te dispo com os olhos e te perscruto com as mãos. Ignora tudo o que aconteça lá fora e confia tudo aquilo que és à minha vontade de te cuidar da cabeça aos pés e acredita que vale a pena entregares a tua mente à tarefa de te concentrares nas sensações a que somaremos as emoções que as sublimem.
Fecha os olhos por instantes e deixa-nos sermos amantes neste intervalo da existência que entendemos partilhar, neste quarto onde te quero dar o melhor de tudo aquilo que sou como percebes neste beijo que te dou e espero te transmita a segurança à altura da minha esperança de ser capaz de saber como se faz acontecer a perfeição.
Deixa que a tua intuição feminina te confirme que vale a pena seres minha neste lapso de tempo que conseguimos abraçar como o fazemos com os corpos deitados na cama deste quarto onde só tu existes para mim e eu anseio que me encares assim, um homem dedicado a ti por completo, capaz de te fazer sentir no deserto de uma ilha artificial para onde te arrastarei com o meu empenho total, com as coisas que farei para te agradar para assim me certificar que me gravarás na memória e quererás degustar depois esta história que nos une num momento a dois sagrado como o recordarei.
Deita-te ao meu lado e não hesites em pedir tudo aquilo que te apetecer nesta altura, aproveita enquanto dura e empenha-te também neste quarto que nos tem disponíveis para saborear os instantes agradáveis que queremos proporcionar ao outro sem medo algum, num espaço em que nos tornamos um, ligados à corrente onde reside a nascente desse rio que desaguas em partes do meu corpo que sentes como tuas quando me acolhes anfitriã sob a primeira luz de uma manhã a sós num mundo em que existimos nós e rigorosamente mais nada no final de uma madrugada feliz.
Ouve o que te diz o instinto e lê nos meus olhos o que não (des)minto de cada vez que te toco em busca da libertação de qualquer reserva ou grilhão que te iniba de usufruir em pleno de todo o prazer que nos demos com o amor que se fez.
Neste quarto crescente em que nos amamos e depois adormecemos a ver a lua partir até o sol incandescente nos acordar o desejo outra vez.

Suspenso

Escuta-me; posso ter um momento da tua atenção
antes de me enterrares essa ventania seca bem fundo,
antes de me carregares nos ombros o bloco gelado da solidão?

Escuta-me; nem sempre foi assim, o sorriso que morre
e fica suspenso na boca, vazio, como um palhaço mudo;
nem sempre foi assim, o sangue que corre noutro dia escorre.

Escuta-me; ouve a minha mão agarrar-te com força pela adaga
enquanto a outra me protege os olhos, eu ainda vejo tudo,
eu ainda me corto; abre os olhos fundos, perdidos, da tua lâmina cega.

Escuta-me; ainda te lembras? Os cabelos amarrados, a face rosada.
Lembra-te de mim, eu recordo cada marca tua como um caminho ensinado
que cem mil vezes aprendi; como um caminho nunca esquecido
que cem mil vezes percorri. Escuta-me, ainda te lembras de mim, quando nada
mesmo nada nos poderia separar? Ouve, ainda sou eu, a mesma, a vida
partilhada que foi nossa quando nosso foi o desejo e desejámos um mundo.


As mulheres também usam bigode!

Xaveco nerd


Alexandre Affonso - nadaver.com

19 janeiro 2010

Livro de Eros (Fragmentos)

por Casimiro de Brito


412
Como conciliar estas duas plantas que se cruzam no meu corpo? Um sexo libertino e um coração de mulher. Talvez se assemelhem mais do que parecem.

430
Que te apareceu a período? Coisa linda, a púrpura! Para mim, quando a mulher que está comigo é naturalmente louca, é como se estivesse num atelier de pintura. Pois não coisa mais linda do que penetrá-la quando o escarlate a visita! O menino encharcado de vermelho e depois a pincelar uns seios gloriosos e depois a abraçarem-se e a ficarem marcados pelo mesmo sangue! Coisa de deuses!

448
Quando te disse que, de ti amava tudo e tudo queria, pensei numa certa arrogância, numa certa perversidade, na beleza do sujo, que por isso não é sujo, como poderias tu pensar que jamais me sentiria ferido, que tudo seria “belo e bom”! e no entanto começaste a ferir-me com os teus lábios-rosa, mais e mais, e essa verdade tão desejada transformou-se num vício, num dos caminhos preferidos de “eros”, meu senhor e infiel servidor.

469
Há sumos exóticos num tornozelo ou numa axila que não pressentias nesse tempo em que tudo se concentrava na fenda nem sempre amável.









Fotos de Jacek Pomykalski

A fatia do... bolo


Quero correr pelo jardim
e encher-me de ar fresco;
descalça dançar por aí
e encantar-me com coisas banais.

Quero deixar o vento
despentear-me;
rolar na areia
daquela praia.

Quero partir como um corcel,
atravessar todos os desertos
esperando a tua chegada.

Quero perder-me pelos caminhos,
encontrar-te sem saber
e da virgindade oferecer-te
a melhor fatia.

Foto e poesia de Paula Raposo


Educação de adultos


3 páginas - basta ires cricando em "next page" a partir da página inicial acima

oglaf.com

Depilação

Muitas mulheres reclamam da dor que a depilação com cera proporciona. Seja ela feita nas pernas, braços ou nas partes íntimas. Eu considero toda essa choradeira uma vergonha.
Vocês vão em salões especializados, recebem todo tratamento adequado, com creminhos e loções e ainda reclamam?
E se vocês fossem punks? Sabem como punks se depilam? Assim:


Deve ser divertido.

E agora parem de chorar. E vão me fazer um sanduíche.

Capinaremos.com

18 janeiro 2010

Inanimada

Só existe o cigarro que está a ser fumado. Os outros estão no maço, à espera de existência. Sabem, como eu - até as rochas sabem - que só se existe quando se vai dos teus dedos para dentro de ti.

Excerto da entrevista ao Vitorino na revista «Visão» de 7/1/2010





Vitorino, cantor alentejano do Redondo, tem uma criação de burros.

Têm todos nomes de pessoas conhecidas...
"Sim, o Rui Veloso, o Jorge Palma, a Cinha Jardim, que já é velhinha e, como não consegue fugir dos machos, está sempre prenha. (...) "

Soberano e meu senhor


Deixaste-me ver a tua alma
Para me mostrastes o verdadeiro amor.
Deste-me uma nova razão para existir
Quando através dos teus olhos
Me mostraste que um amor como o nosso
É bem mais forte do que qualquer lei.
Um olhar teu é suficiente para iluminar o meu dia,
Tal a intensidade do nosso amor.
Na tua alma descobri uma nova forma de ver
O baloiçar das folhas das árvores
Que seguem ao ritmo da música
Que trago no coração;
O sol brilha mais forte com mais intensidade;
A terra acabada de regar
Tem um cheiro doce,
Mais doce do que me recordo
E as nuvens brancas em contraste com o azul do céu
Assemelham-se a montinhos de algodão doce
Que apetece morder.
Solta-se o riso desenfreado da minha boca
Seguindo o ritmo da melodia que ecoa em mim
Rendo-me deslumbrada à névoa que me entretém

Desprende-se no ar um perfume sublime

Onde este amor é soberano e meu senhor!

O Mundo é tão bonito e eu nunca tinha reparado…


Maria Escritos – 2010
© Todos os direitos reservados
http://escritosepoesia.blogspot.com/

«Lipstick»...

... em português, bâton (ok, ok, pode escrever-se batom...)

17 janeiro 2010

A nossa Joana Well no «Correio da Manhã»

Hoje, o «Correio da Manhã» publicou um artigo sobre «Cama e companhia de luxo - A vida das acompanhantes que cobram mais de duzentos euros», complementado por uma entrevista a Bernardo Coelho, sociólogo que conta como vivem estas mulheres no livro «Corpo Adentro». E falaram com a nossa Miss Joana Well:

"SEXO E POESIA

Joana Well esconde o rosto nos longos cabelos loiros, por timidez, por delicadeza. A sua voz ao telefone soa como se cantasse palavras. Mas foi na Internet que descobriu uma (boa) razão para continuar a ser acompanhante. A poesia:
'É franco o meu corpo./ Tem franqueza nos braços que se tentam abrir,/ nas pernas que tremem para acompanhar os braços/ nos olhos que tentam não olhar mas olham./ Deixei-o ter-me...' – escreveu ela no blogue
Miss Joana Well’.
Só há uma forma de a conhecerem. Os clientes têm de chegar a ela através do seu blogue. Mas têm de gostar da sua escrita. Do erotismo das suas palavras. Até porque fotografias do seu corpo há poucas e estão escondidas. É o que menos lhe importa. Toda a excitação é pura poesia.
'Os homens criam em mim uma certa empatia pelo estilo de escrita com que me respondem. Mas também me cativam muito pelo sentido de humor. Um rapaz disse-me qualquer coisa do género: ‘és tão bonita pelas fotografias. Adorava conhecer-te. Espera. Tenho que ser intelectual, senão não me dás atenção. Tens uns belos poemas, umas belas metáforas.'
Se alguém estiver apenas interessado em sexo ‘mecânico’, pode esquecê-la.
'Não há um único homem que me tenha conhecido, nesta situação, que não possa dizer que esteve com uma mulher apaixonada. E esta paixão não é falsa, é induzida. Passageira.' Sabe que se não fosse por dinheiro – 150 euros por uma hora e meia, ou 200 com deslocação – não estariam juntos. Primeiro à conversa, depois, na cama. 'Mas nós podemos olhar para as coisas de outra forma, de forma às coisas serem mais bonitas.'
Quando Joana está nos braços de um cliente, concentra-se nas características dele que sejam mais apelativas. No toque, no cheiro. 'Acaba por haver uma química. Claro que não é paixão. Mas o que é?'
Joana é uma romântica, repete vezes sem conta. Gosta do quarto mais pequeno da casa. Resume-se a uma cama grande e uma tapeçaria na parede. Nunca leva um cliente directamente da porta da rua para o quarto. Primeiro conversam. Descobrem-se. 'Ninguém faz as coisas friamente, senão o sexo pode ser mau.'
O corpo dela esconde-se debaixo de roupas largas. Pouco sensuais. Confessa que não tem mais cuidados do que qualquer outra mulher que se sinta feminina. Mas é quente de afectos. 'Se o cliente pretender uma acompanhante com as medidas ‘x, y, z’ não me procura a mim. Vai escolher num portal na Net, por medida.'
Há vários sites nacionais e internacionais, com mulheres portuguesas e estrangeiras que aparecem quase sempre nuas e (muitas vezes) em posições explícitas. Os preços que cobram rondam os 150 euros por hora em apartamentos privados (250 se fizerem deslocações), uma noite mil euros, um dia dois mil e dois dias três mil. O atendimento pode ser feito a casais ou com várias acompanhantes juntas. Há locais ainda, como hotéis, onde estas mulheres estão estampadas em catálogos.
Os clientes são normalmente homens com boas condições financeiras. Muitos são empresários ou estão ligados a alguma área de negócios, descrevem. Segundo uma delas, o mesmo cliente que as procura um dia, na semana seguinte pode até recorrer a uma prostituta de rua. São casados? Nem todos. Insatisfeitos sexualmente? Se calhar também não. Mas todos têm de ter muito dinheiro para lhes pagar.
Joana Well, 30 anos, tem um apartamento no centro de Lisboa. Não mora lá. A família não sabe, não sonha. Nem pode. Se amasse alguém, essa pessoas teria de saber. O que cria tensões. Ela atende um único homem por dia. Já lhe chega para o sustento da vida – mas também não lhe dá para luxos. Prefere não explicar as razões para não trabalhar na área do seu curso superior. Escapam-lhe as explicações para tudo o que a faz manter-se oculta. Há quanto tempo o faz?
'Já não sou principiante. Chega?!'
Se a vida tem destas coisas, há uma que diariamente ainda constrange os clientes. 'Nota-se o embaraço na hora de eles pagarem.' As notas andam de mão em mão, a dançar até que aquela mulher as agarre. Pagar por alguma coisa obriga a reflectir sobre essa coisa. 'Às vezes, oferecem-me livros com o dinheiro lá dentro.'

PERFIL

Joana Well, 30 anos, está a viver momentos de alguma popularidade na blogosfera, pela sua escrita (ver em
missjoanaswell.blogspot.com
). Em poucos meses, escreveu cerca de 300 poemas e 90 contos. Este blogue é também o único contacto dela como acompanhante de luxo."

Fora do b(c)aralho


Hoje quero gritar.
Gritar! Gritar! Gritar!

Hoje quero mentir.
Mentir! Mentir! Mentir!

Gritar: odeio-te
e mentir, também.

Quero gritar – hoje -
que recordar-te é uma má opção:
as cartas fora do baralho
são batota.

Foste um jogo odioso,
uma má jogada, uma cartada sem trunfo.

Não perdi. Não ganhei.
Mas tu recebeste o prémio!

Foto e poesia de Paula Raposo

«Três poemas de amor - seguidos de Livro Quarto» de Albano Martins


Um livro delicioso de um «quase vizinho» meu (Albano Martins é do Telhado, nos arredores do Fundão), ilustrado com desenhos de José Rodrigues.
Deixo-vos aqui um pequeno menu de degustação:

"Se te despes, um deus
contempla, fulminado,
a própria criação."

"Apenas um dos dedos
conhece a luva. Só uma pétala
convém à rosa."

"Para morrer não era
necessária a morte. Bastava
o teu corpo."

"Em que lugar
geométrico
do teu corpo
o vértice
se faz pirâmide?"

CR posa para a Armani



HenriCartoon

Não perguntes...


crica para visitares a página John & John de d!o

16 janeiro 2010

Amanhã é Domingo



by Don Bastek via La lebre de Marzo

Não se sentem em cima de um phallus impudicus!

Mas só porque se arriscam a ficar com um cheiro a cadáver impregnado na roupa, o mesmo cheiro que me levou a detectar a presença destes cogumelos muito antes de sequer os ter visto. Aliás, o cheiro é um instrumento de reprodução fundamental destes cogumelos uma vez que se destina a atrair moscas - e estamos a falar de moscas com uma envergadura de respeito e que nada têm a ver com aquelas mosquinhas comuns - que depois irão disseminar os esporos que a elas aderem.

Os exemplares fotografados já estão nas etapas finais do seu ciclo de vida, uma vez que o chapéu já está desprovido da "gosma" que contém os esporos, restando apenas a malha que a suportava. Esta será mesmo a fase de maior beleza destes cogumelos.

Já agora, bem cheirosos ou mal cheirosos, todos os cogumelos desempenham um papel biológico e ecológico muito importante. Daí que, se por acaso encontrarem phallus impudicus no vosso caminho, se não se sentarem em cima deles, evitem destruí-los seja de que forma for, até porque este não possui rigidez alguma. Tapar o nariz será uma atitude muito mais ecológica.




Outros artigos sobre cogumelos, não necessariamente peculiares como o phallus impudicus:

Conto das máscaras (VI) - Sarar (?)

E eu finjo que não estou. Finjo que nada existe. Recuei ao dia em que cessaste. Fechei-me nessa antecâmara da vida. E refiz o dia. Até logo, meu amor! - Não dissemos; os teus lábios abriram-se até à letra A, somente. Atei-te e agora vou atear-te! - Mudei a frase, mudei o dia, mudei a vida. Enganei a realidade. Enganei os meus olhos. Enganei a minha pele. Enganei a minha lucidez. Nós não nos perdemos. Eu não me perdi de ti, tu não te perdeste de ti e de mim; perdi-me da história que alegam ser verdadeira. Quem são os outros para decidir que realidade é mais real? Passaram 365 dias, um ano. E nenhum sem ti, como me quiseram impor.

Fecharam-me aqui e eu fechei-me contigo. As drogas que me davam muito sono; apenas uma pequena sesta era permitida, durante a tarde, além do sono da noite. Arrastava-me, nesse sonambulismo, o queixo sem força, a saliva escorria, um banco qualquer e tentava-me deitar; tantas drogas, o copo de plástico, a roupa amarrotada, as ordens dos enfermeiros que confundi com carcereiros militares, torturadores. A falta de equilíbrio, as quedas; homens e mulheres que choravam, a cambalear, tal como eu; tantas drogas. Eis a solução dos homens sãos para a loucura, para o luto, para a dor extrema: as drogas, as regras, a frieza, o encarceramento, o desconforto, trajados de loucos, sujos de loucos, babados de loucos; tantas drogas. O corpo habituou-se às drogas; a alma habituou-se à antecâmara.

Já não finjo, já não estou. Em cada dia, estive contigo. Dormimos abraçados sem nunca largar, acordámos mais abraçados ainda. Tomámos café, almoçámos, jantámos, passeámos, conversámos e amámo-nos e, meu amor, eu acho, até acho que gerámos um filho...


Namoro virtual


Alexandre Affonso - nadaver.com

15 janeiro 2010

Brotar de uma paixão


Hoje acordei com vontade de ti
Queria saciar a minha sede na tua fonte de mel
E espalhar no meu corpo o calor das tuas carícias

Hoje acordei com vontade de te ter ao meu lado
Num sono leve de criança enroscado no meu corpo
Num abraço apertado unindo o nosso peito

Hoje acordei com vontade do momento
Que se tornou eterno sem tempo para acabar
E nos entregarmos ali num beijo apaixonado

Hoje acordei com vontade de fechar os olhos
Para sentir o teu olhar no meu sorriso de paz
Alargando o meu prazer à vontade de todas as manhãs

Hoje acordei com vontade de te amar
Nessa insanidade possuir teu corpo e amar-te de verdade
Apaziguar o fogo do desejo que me cobre e me invade

Hoje acordei com vontade de ter o que não posso ter
Só a tua ausência vem para me responder
Demência estranha dos meus sonhos sensuais que em mim jazem tão reais.

Maria Escritos - 2010
© Todos os direitos reservados
Blog Escritos e poesia

E agora voltas...

E agora voltas,
como noutros tempos, em que eu não era eu...
( tu és sempre tu)
Eu era peixe, e tu pescador
comigo na rede, pediste-me as guelras
que me ensinavas a respirar;
quiseste-me por momentos,
momentos depois, atiraste-me ao mar,
e eu já tinha pulmões, viste-me sufocar.

E agora voltas
como noutras vidas , em que outra era eu...
(tu és sempre tu)
Eu era sereia; tu, do meu mar, eras imperador
comigo na nau, pediste-me as barbatanas
que me ensinavas a andar;
amaste-me por instantes,
instantes depois, atiraste-me ao mar
e eu já tinha pernas, viste-me afogar.

E agora voltas
como noutros palcos, outro papel meu...
(tu és sempre tu)
Eu sou eu, e tu Rei, Mestre, Senhor;
mas agora eu tenho pulmões e guelras,
e eu agora tenho barbatanas e pernas
que trouxe de todas as mortes,
mortes depois, bebi-te o mar
para, em mim, te inundar.

A "nova" árvore genealógica...

«Árvore Genealógica» é uma crónica do Luis Fernando Verissimo, filho do Erico Verissimo, que publica semanalmente na folha de S. Paulo:

- Mãe, vou casar!
- Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?
- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.
- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?
- Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?
- Nada, não.. Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.
- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...
- Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso.
- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...
- E quando eu vou conhecer o meu.... a minha... o Murilo?
- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.
- Tá! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?
- Por quê?
- Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.
- Você acha que o Papai não vai aceitar?
- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade... E olha que espetáculo: as duas metades com bigode.
- Mãe, que besteira... Hoje em dia... Praticamente todos os meus amigos são gays.
- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã.
- A Bel já tá namorando.
- A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?
- Uma tal de Veruska.
- Como?
- Veruska...
- Ah, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.
- Mãe!!!...
- Tá... tá... tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...
- Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.
- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?
- Quando ele era hetero... A Veruska.
- Que Veruska?
- Namorada da Bel...
- "Peraí". A ex-namorada do teu atual namorado... E a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...
- É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.
- De quem?
- Da Bel.
- Mas... Logo da Bel?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska...
- Isso.
- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.
- Em termos...
- A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel.
- Por aí...
- Por outro lado, a Bel... além de mãe, é tia... Ou tio... Porque é tua irmã.
- Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.
- Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.
- Exato!
- Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...
- Entendeu o quê?
- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!
- Que swing, mãe?!...
- É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...
- Mas...
- Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio...
- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...
- Sei!... E quando elas quiserem ter filhos...
- Nós ajudamos.
- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...
- Que.. ?
- Fazer árvore genealógica daqui pra frente... vai ser f...
(Luiz Fernando Veríssimo)

Estatueta de duas mulheres lésbicas

Bem grandinha (pouco menos de 40 cm de comprimento)... já faz parte da minha colecção. Isto é que elas se divertem. E agora até se podem casar... se quiserem...



14 janeiro 2010

(Des)União de Facto

Ela recusou, mais uma vez, fazer amor. Não o fez expressamente: não invocou qualquer mal-estar, dor de cabeça ou cansaço; ficou simplesmente no sofá da sala até a televisão do quarto deixar de se ouvir, o candeeiro da mesa-de-cabeceira estar apagado e dele não restar mais do que uma respiração suave e regular.
Tristemente satisfeita mas sem conseguir desembaraçar-se do peso opressor que sentia no peito, a mulher levantou-se do sofá, apagou a televisão, caminhou em silêncio sem acender qualquer luz, contornou a cama com cuidado e deitou-se furtivamente. Não o queria acordar, não lhe queria falar, nem o queria ouvir.

A princípio, julgara que era cansaço. O trabalho, a casa, a vida, tudo parecia justificar o seu desinteresse, a sua falta de vontade, o seu alheamento, mas agora já não sabia, só não queria. Talvez se tivesse desabituado. “Deve ser uma fase” pensava, sem muita convicção, “vai passar”.
E assim se permitia nada alterar e continuar como se nada fosse, esperando que ele dormisse para se aproximar, inventando saídas e visitas, séries na televisão e trabalho atrasado para o manter afastado, se é que ele ainda se aproximava – ela tinha sido tão competente a criar uma normalidade preenchida que não sabia agora se ele ainda a procurava.

Deitada, aconchegou-se sem lhe tocar e fechou os olhos à espera do sono.
– Então? – perguntou ele, surpreendendo-a. Sentira-a deitar-se sub-repticiamente, deixou-a acomodar-se, baixar as defesas e, quando ela já não esperava, falou. – O que é que se passa, querida?
O “querida” arranhou-a, achou-o despropositado, falso, hipócrita. Sentiu-se enganada, ele estava acordado. Tinha estado sempre acordado e, premeditadamente, esperara pelo momento certo para a interpelar. O momento em que, ele sabia-o, ela deixara de estar em guarda.
– Nada, porquê? – respondeu, impessoal.
– Nunca mais fizemos amor – disse ele, sem subterfúgios.
– E? – inquiriu ela, agora com o firme propósito de o arreliar.
– E?! – soltou o homem, aproximando a mão do interruptor do candeeiro. Ela ouviu o ligeiro roçagar do fio na madeira e esperou que a luz se acendesse. – E, o quê? – concluiu ele, sem acender a luz.
Ela sentiu-se aliviada, preferia não o ver e preferia não ser vista.
– Sim, e? – manteve ela e, indiferente, concluiu: – Não fazemos amor há uns dias...
– Uns dias?! – O homem virou-se na cama, ficando estendido de costas, dobrou as pernas e tornou a mexer no interruptor do candeeiro. – Uns dias?! O que é que tu chamas uns dias?
– Quinze dias… três semanas – respondeu ela, sabendo que estava a errar por muito. – Sei lá.
– Estás a brincar? – O homem estendeu a pernas.
– Não – declarou ela, ainda imóvel. – Sei lá, um mês?
Ele acendeu a luz mas não se mexeu. A mulher, que já estava virada para ele desde que se deitara, olhou-o, viu-lhe o perfil sério e compenetrado, e ficou espantada por não sentir nada, nem o peso no peito.
– Não fazemos amor há mais de três meses – disse ele, sem tirar os olhos do tecto.
“Fala por ti” ponderou ela responder mas não o fez.
A mulher rodou, ergueu o tronco, sentou-se, abafou o sorriso que lhe sobrara do “fala por ti” e do que isso lhe lembrara e interpelou-o com implacável tranquilidade:
– Queres-me dizer alguma coisa, é?
– Eu?! – espantou-se ele, ainda assim fazendo contas de cabeça.
– Sim – continuou ela, azeda. – Não fazemos amor ou não fazes amor comigo há três meses?
O homem sentou-se.
– Não é a mesma coisa? – perguntou, angelical, bem sabendo que não era.
– Não, sabes bem que não – disse a mulher, não evitando alguma acidez no tom. – Eu não faço amor contigo há três meses mas tu não fazes amor há três dias…
– Eu?!
– Sim, tu.
– Há três dias?
A mulher acenou com a cabeça positivamente, olhou para o rádio-relógio na mesa-de-cabeceira e fixando-o, atirou:
– E, pelas minhas contas, se pagaste à chegada e se foste directo ao Continente no fim, não fazes amor há três dias e – contou pelos dedos, ainda que não necessitasse – seis horas e meia, mais ou menos.
– Que conversa é essa?
– É fácil – disse a mulher e explicou serenamente: – Na terça-feira, pagaste uma diária reduzida num motel às duas e meia e às sete e um quarto pagaste umas compras no Continente… Por isso, deves ter dado uma, ou feito o amor, por volta das cinco e tal, seis horas… Espero, pelo menos, que tenhas dado uma à chegada e outra à saída. É o mínimo.
– Mas…
– Por isso – concluiu a mulher, – como já é meia-noite e um quarto: dezoito e seis… Não devo ter errado por muito, pois não?
Ele engoliu em seco várias vezes e não foi para verificar o acerto das horas, hesitou igual número de vezes no que dizer e, por fim, decidiu-se pelo óbvio:
– Como é que sabes isso?
– Essas merdas não se pagam com cartão, parvo!
Ele corou e mudou de cor.
– E, já que sabes tudo – começou o homem, preparando o contra-ataque –, também deves ter noção porque o fiz.
A mulher olhou-o e encolheu os ombros:
– Porque és parvo?

Equação


Um… dois… três… quatro…
perdemos a conta;
os dedos das duas mãos
(de cada um de nós)
não chegam para contabilizar
(x) ou (y) ou (z):
as passagens fortuitas
dos encontros de favor.

Posto de lado o profissionalismo
(o serviço é gratuito),
não existe reflexão possível;
aberta a brecha:
o que resta?

Uma boa pergunta.
Uma solução em aberto;
a resposta será aquela
que cada envolvido – ou não - queira dar.

-Posso responder?
-Claro que sim. Todos podem responder.
-Resta uma equação por resolver.

Foto e poesia de Paula Raposo

Parto

Quem me dera apenas
matar-te a fome;
quem me dera apenas
matar-te a sede;
quem me dera apenas
matar-te o nome;
quem me dera apenas
matar-te,
para te enterrar em mim,
e nesse fim
chamares-me início;
e sem sacrifício,
ressuscitar-te.



Não admira que, nos anos 70, os homens não fossem capazes de encontrar o clítoris!

13 janeiro 2010

A devolução

Percorri o longo corredor com determinação. Chão muito escuro e iluminação discreta com paredes de madeira um pouco mais escura que cerejeira. Detive-me junto à porta. Sendo canhoto seria natural que estendesse a mão esquerda ao manípulo que também se encontrava à minha esquerda. Usei antes a mão direita, para poder abrir a porta e entrar em acto contínuo. Passando a porta havia um pequeno corredor. Do lado esquerdo uma porta de vidro fosco entreaberta revelava uma casa-de-banho com azulejos pretos, baços, e um lavatório branco assente numa estrutura de vidro. A parede do lado direito era preta, com um quadro pendurado e mais à frente uma televisão LCD. Depois havia uma cama, bastante larga. À minha frente, uma mesa estreita, de cortesia, e uma cadeira simples, artigo de design, mais do que de conforto. Virei a cadeira para a cama e sentei-me. À esquerda, um roupeiro com três portas, provavelmente de acrílico fosco, e três feixes de luz imbutidos que enchiam o quarto com uma coloração quente. À direita, uma janela grande com cortinas pesadas cinzentas claras. À minha frente, na cama larga, tu.

Estavas sentada no meio da cama, encostada à cabeceira. De pernas levantadas, noventa graus nos joelhos, vestindo apenas um ligeiro babydoll branco, vagamente transparente. Pela tua posição, estando eu sentado mesmo em frente a ti, era fácil ver que não tinhas mais nada vestido. Vendo-me instalado - embora nem por isso totalmente confortável -, pegas matreira nas pontas da pouca roupa, que afastas, para melhor poderes deixar tombar as pernas, até que as afastas tanto quanto podes e ocupas, com elas, todo o espaço, de uma margem à outra, da cama.

Lambes um dedo, sem tirar os olhos dos meus, e viajas com ele até à tua vulva, por onde te passeias sem qualquer tipo de pudor. A outra mão vagueia. Pelos seios, pelo interior das coxas, às vezes pela face. Não tiro os olhos de ti enquanto te tocas a pouco mais de dois metros de mim. Sinto o calor daquele quarto aquecido, no contraste da tua nudez com a minha roupa de Inverno. Estou imóvel a observar-te. Tomo nota mental de todos os movimentos e expressões que fazes, e no entanto fixo muito pouco o olhar na tua genitália, olho com muito mais sede a tua cara, conseguindo detectar o movimento de todos os músculos. Os lábios, os olhos, a dilatação das narinas quando pedes mais oxigénio para o sangue que te corre veloz.

Há espasmos nas tuas pernas que denunciam o orgasmo. Como se perdesses por instantes o controlo dos teus músculos. Como se alguns deles se sacudissem num caos de electricidade. Mas tudo isso chega ao fim. Detecto suor em ti, e deixas as mãos cair ao longo do corpo, uma delas com dedos melados, e um odor que invade o quarto e me sacia. E tudo isto se passa num quase perfeito silêncio, que só se quebra pela tua respiração ofegante e por irritantes barulhos de madeira a ranger sempre que me ajeito uns milímetros, sentado de perna cruzada, ora uma, ora outra, cruzando os braços ou agarrando a cadeira.

Enquanto ajeitas o cabelo e te deixas escorregar pelas almofadas eu levanto-me. Caminho em direcção à porta do quarto, parando a meio para abrir totalmente a porta entreaberta da casa-de-banho. Coloco a mão no bolso e retiro as tuas pequenas cuecas, que pouso junto ao lavatório. Detenho-me por meio instante junto à porta. Atiro a mão esquerda ao manípulo e rodo-o. Esgueiro-me e fecho-a atrás de mim. Enquanto caminho pelo corredor, em direcção ao elevador, levo a mão ao bolso e pego no meu telefone. Digito o teu número e carrego em enviar. "Amanhã dou-te o resto".

Implícito

Não, não está nada implícito,
nem uma única vogal,
nem uma só consoante;
que se rasgue essa palavra,
essa despudorada cabra,
promíscua e diletante
que se estende nas entrelinhas
e rebola de prazer,
só assim, a semi-ser, semi-gemer.
Ah! As palavras ainda são minhas,
o que subentendes, eu grito,
e o grito será fatal
nem que seja por um instante,
um momento em que te sangra,
um segundo em que te lavra,
da impiedade dura e inquietante
que me tentava abrir as pernas
para dentro de mim crescer,
para dentro de mim me beber
e apoderar-se das certezas.


Mais porno na padaria

A Didas ganhou-lhe o jeito e agora é vê-la por aí fora...


Vamos jogar ao ringue?


O costureiro


Casting dos ídolos

Pornos anteriores:
Primeiros
Segundos
Terceiros
Quartos

Assédio ao capitão



HenriCartoon

12 janeiro 2010

Livro de Eros (fragmentos)

por Casimiro de Brito


397

Diante de uma cona como a tua, e depois beijando-a, entrando e saindo, alojando-me nela, não gemo: comovo-me rio choro delicio-me canto uivo urro mas, noutras vezes, fico quietinho e em silêncio... para fazer durar, para ouvir o chão, para sentir as raízes que vêm do poço celeste apoderarem-se ora ardendo ora fresquíssimas do meu pequeno tronco e transformarem-no em mais um afluente complacente desse rio misterioso que vem de muito longe.

Quando te beijo é como se beijasse uma flor carnívora, quando te acaricio é como se me enroscasse em lianas de água salgada, quando o aconchego nas tuas mamas desejava que ele tivesse boca para te chupar os mamilos, quando me enrosco nas tuas nádegas alcanço a serenidade dos sábios, quando te fodo é como se viajasse pelo céu e por todos os seus abismos... mas feliz, feliz, sou mais ainda quando o fazes crescer e o transportas rio acima e rio abaixo por todo o teu corpo, e sobretudo quando, metendo-o na boca, sinto lábios e línguas e salivas e dentes e artes que nunca ninguém gravou no meu barro... em resumo: se tivesse diante de mim a “Origem do Mundo” do Courbet e a fotografia da tua boca aberta, era na tua boca que eu resumia tudo o meu corpo, instintos, desejos, e entrava para dentro, passando a fazer parte de ti, que nada se pode perder, nada... e por isso lambo as gotas que sobram depois de me teres engolido, e por isso te peço (mas não é preciso pedir, pois não?) que me lambas todo e tudo a cada momento para que nada resvale para outro lado que não seja para dentro do teu corpo louco e divino. Sabias?


fotografias de Peter Lindbergh

Inverso


Saberia o caminho
-como assim?-
por onde iria;
pensava que sabia
(ela)
e foi muito decidida.

Passaram anos
(sobre o caminho)
e ela concluiu:
se tivesse que o percorrer
-novamente-,
fá-lo-ia sempre
(o caminho),
no sentido inverso.

Foto e poesia de Paula Raposo

Conto das máscaras (V) - Acusações (II)

Habituaste-te à comodidade do aparente alheamento. O que sei eu? Quantas vezes o que começa por ser uma máscara deliberada, premeditada, se cola à pele do rosto e nos transforma o corpo em marionete? Não sei. Porque assim te suga o alheamento; é como adormecer, sabes que tens sono, depois adormeces e então não sabes que estás a dormir. Talvez uma suave percepção, raramente, se o sonho for muito estranho - mas o mundo é sempre um sonho estranho. E consegues acordar, quando percebes e quando queres? Talvez não exista a palavra amor para entregar mas, talvez, só talvez, contigo o sono fosse um pouco menos profundo. Talvez fosse. (E dispensou o amante)...



Os morcegos-caralho gigantes


1 página

oglaf.com

11 janeiro 2010

Um ano do Katano

página de validação de tiragem do diciOrdinário ilusTarado, com um autocolante que, se removido, deixa ver a frase «O balão fugiu? Puta que o pariu!»
O Katano é que sabe fazer revistas do ano que passou. Já publicou as partes 1 e 2.
De uma forma perfeitamente aleatória e sorteada na presença do governador civil do Sétimo Céu, respigámos (palavra linda...) este excerto:

"Junho, e 2009 já agora, também seria seria marcado pelo evento que veio alterar irremediavelmente o meio literário nacional: a publicação da obra de vulto, o DiciOrdinário Ilustarado. Eça é que é Eça!"

Quem ainda não tem um exemplar do DiciOrdinário Ilustarado (que pode ser comprado aqui) não sabe o que está a perder (e a ganhar, com o que poupa do preço do livro, verdade seja dita).

O quarto conto: checkpoint

A camisola esgaçada do lado esquerdo. Era a mesma de ontem e de anteontem. Não interessava. Talvez as aves de rapina já nem distinguissem a sua pele de qualquer outro tecido morto e tivessem começado a bicar por ali. Talvez preferissem bicar a camisola porque o seu sangue era apenas a cinza dele misturada em suor, um líquido pastoso que, bombeado em esforço, enchia a cavidade do coração de um tom negro. Não interessava. As mãos da noite nunca mais no cabelo. Nada interessava. O dedo do amante apontado a acordá-la para a verdade. Não interessava. Amantes em fila. De todas as cores e sabores. Quando o corpo doía do sexo amorfo, outra dor maior era camuflada por instantes. Por instantes. Uma dor na carne. Instantes de vida. Devorou os homens que fecharam o caixão. Podiam ter ainda partículas nos dedos. Vingou-se, assim, na luxúria deles frustrada por tanta frieza. Enlouqueceu. Dedos acusatórios. Mãos da noite nunca mais nos cabelos...

Como nem sempre o frio é entrave ao amor

Foto obtida por: Jorge Costa para o BEIRA.TV

O erotismo no meio das tragédias

É curioso que um livro intitulado «Didon, Tragedie», publicado em 1747 (sim, sim, há mais de 250 anos!) tenha, depois de 94 páginas de tragédia e antes das páginas finais com mais uma tragédia («Adelaide de Hongrie»), um pequeno oásis de 46 páginas com um poema erótico em quatro cantos - «Les oiseaux chéris, ou la fidélité récompensée» - precedido de umas «réflexions sur la poésie érotique».
Mas o erotismo é, também, isso: um oásis no meio de tragédias.
Mais um livrinho da minha colecção.






10 janeiro 2010

Janeiras, ainda...

(À São, essa alma impoluta, que me entendeu uma ausência e a quem nunca eu daria uma nega...)

não fui cantar as Janeiras
meu amor porque não pude
fiquei-me pelas lareiras
aquecendo uma atitude

mas hei-de ir um destes dias
mais quente de cima abaixo
se tu me deres garantias
de me achares tu como eu te acho

que Janeiras bem cantadas
são um manto de emoções
neve hão-de ter nas estradas
mas aquecem corações

e ao dares de ti dó de peito
junto a mim no teu cantar
havemos de dar um jeito
do dó em sol se tornar

Conto das acusações (III)

Amo-te! - Disse o amante, de corpo suado, nu, em cima dela. Aguardou, parado, expectante. Ela abriu a boca; não conseguiu falar, o som morreu engasgado no atrito dos pensamentos. Revoltado, gemeu a acusação impiedosa - amas um morto, é ele que tu amas! Respiraste-lhe as cinzas, os teus ossos absorveram-nas, entranharam-nas e faz tanto parte de ti que agora é o teu esqueleto. Ela lembrou-se. O grito lançado pela garganta, como se o corpo não lhe pertencesse, parecia planar sobre si mesma; debater-se, os empurrões em quem tentava fechar o caixão, o desespero...e fechou-se com ele para ser cinza. O ultimo soluço, a ultima lágrima secou e solidificou nas outras; formaram uma lâmina aguda, invisível, na garganta e no peito. Dispensou o amante. A todos os outros disse o mesmo: amava um morto. Há acusações que revoltam, que fazem espernear, são uma pele que não se nos cola, enjoa-nos o cheiro sebáceo e a sua cor quando os tentam misturar com o nosso; outras, em que acreditamos, transformam-nos naquilo que morava nos dedos apontados, essas têm o verdadeiro veneno.

Certo/errado?


Não vale a pena questionar-se.

O encontro foi na hora errada;
o homem era o errado;
o encontro foi na hora errada;
o homem era o certo (coisa que não sabemos).

Não vale a pena duvidar.

O encontro foi na hora certa;
o homem era o errado;
o encontro foi na hora errada;
o homem ainda(!) era o errado.

Não vale a pena desmoralizar.

O encontro mesmo na hora certa
nunca é com o homem certo (!);
e na hora errada,
nunca está certo:
o homem é sempre errado.

Foto e poesia de Paula Raposo