16 janeiro 2010

Conto das máscaras (VI) - Sarar (?)

E eu finjo que não estou. Finjo que nada existe. Recuei ao dia em que cessaste. Fechei-me nessa antecâmara da vida. E refiz o dia. Até logo, meu amor! - Não dissemos; os teus lábios abriram-se até à letra A, somente. Atei-te e agora vou atear-te! - Mudei a frase, mudei o dia, mudei a vida. Enganei a realidade. Enganei os meus olhos. Enganei a minha pele. Enganei a minha lucidez. Nós não nos perdemos. Eu não me perdi de ti, tu não te perdeste de ti e de mim; perdi-me da história que alegam ser verdadeira. Quem são os outros para decidir que realidade é mais real? Passaram 365 dias, um ano. E nenhum sem ti, como me quiseram impor.

Fecharam-me aqui e eu fechei-me contigo. As drogas que me davam muito sono; apenas uma pequena sesta era permitida, durante a tarde, além do sono da noite. Arrastava-me, nesse sonambulismo, o queixo sem força, a saliva escorria, um banco qualquer e tentava-me deitar; tantas drogas, o copo de plástico, a roupa amarrotada, as ordens dos enfermeiros que confundi com carcereiros militares, torturadores. A falta de equilíbrio, as quedas; homens e mulheres que choravam, a cambalear, tal como eu; tantas drogas. Eis a solução dos homens sãos para a loucura, para o luto, para a dor extrema: as drogas, as regras, a frieza, o encarceramento, o desconforto, trajados de loucos, sujos de loucos, babados de loucos; tantas drogas. O corpo habituou-se às drogas; a alma habituou-se à antecâmara.

Já não finjo, já não estou. Em cada dia, estive contigo. Dormimos abraçados sem nunca largar, acordámos mais abraçados ainda. Tomámos café, almoçámos, jantámos, passeámos, conversámos e amámo-nos e, meu amor, eu acho, até acho que gerámos um filho...


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