Ouve-se Jorge Palma, “O meu amor existe”, num som roufenho de fundo de poço. O piano parece que está a desintegrar-se e ele parece que está dormente, quase a dormir.
A mulher bate no ombro do homem e pergunta:
– Há quanto tempo não fazemos amor?
Em silêncio, ele tira a mão direita do teclado, coça as sobrancelhas com a ponta dos dedos, num movimento centrífugo, primeiro a direita e depois a esquerda, e pousando o cotovelo na secretária, apoia a cabeça na mão, que coloca debaixo do queixo. Com o polegar e o indicador da mão esquerda, conclui os Alt F4 que começara logo que ela se aproximara, fica com este texto e a musica que, entretanto, mudou aleatoriamente. Lloyd Cole, “Jennifer, she said”.
– Estou a escrever – justifica-se, sem olhar para ela.
– Estás a escrever, agora – diz ela, sentando-se no braço do sofá. Deixa-se cair para trás. – E ontem? E anteontem? E na semana passada? E na outra?
O homem ouve em silêncio e, deixando de a sentir atrás de si, vira a cabeça para um lado e para o outro, procurando-a. Vê-lhe as pernas nuas a caírem do braço do sofá, adivinha-lhe a posição e sorri. Fecha definitivamente o Messenger e o Firefox. Hesita quanto a este texto e ao Media Player, que mantém aberto. Altered Images, “Don’t talk to me about love”.
– Não sei – recomeça ele, mais seguro de si, depois de fechados os programas que o embaraçavam. – Há quanto tempo não fazemos amor?
Ela não responde. Ele não insiste.
Radiohead, “No surprises”.
Ele fecha o Word, sem gravar as alterações ao texto que não estava a escrever. Fica com a música e pergunta:
– Desligo?
– Acho que já desligaste há muito tempo – declara ela num fio de voz.
Ele sente, mas ignora a provocação e levantando-se, repete:
– Desligo? – Em pé, vira-se para o sofá, vê-a deitada, nua, e ouve-se insistir, como se não fosse ele tivesse falado: – Desligo a música?
Até a ele, enquanto se olhavam os dois nos olhos, ela nua, com um sorriso triste, prostrada, ele fingindo um desinteresse que não sentia, mas com um brilho nos olhos que não escondia, a frase soara como uma sentença, mas não a conseguiu remediar e permaneceu calado, olhando-a, arrependido, num olhar que ela entendeu de desafio.
– Deixa estar – respondeu ela, com um nó na garganta.
– Vou-me deitar – informou. Calou o convite “Vens?” e perguntou, definitivo: – Apago a luz?
The Smiths, “Unloveable”.
– Apaga!
Sem comentários:
Enviar um comentário
Uma por dia tira a azia