26 setembro 2012

«coisas que fascinam (148)» - bagaço amarelo

Resmungar baixinho com uma mulher é próprio dum homem que até pode saber o quer quer, mas não sabe certamente o que não quer. Resmunga-se o suficiente para afirmar uma opinião, mas baixinho para que não haja demasiado comprometimento com ela. É como atirar uma pedra e esconder a mão. Há muitos homens assim. Eu, por exemplo.
Ontem comprei umas alheiras de Mirandela, rúcula e duas garrafas de vinho branco para ver o jogo de futebol entre Portugal e a Alemanha. Já não costumo ver jogos de futebol, nem eu nem a Raquel, mas desta vez lá prometemos um a outro tentar. Dez minutos depois do início já bocejávamos os dois, e ela fez um pequeno zapping até parar numa série qualquer de que gosta muito. Eu resmunguei baixinho, mas ela disse que já tinha visto o fim, por isso só precisava de ver o princípio. Acabei por ser eu a pedir para ver tudo.
Hoje entrei numa loja de decoração no Porto onde, se não fosse acompanhado pela Raquel, nunca na minha vida entraria. Ela apressou o passo e disse que queria ir lá dentro ver umas coisas, eu resmunguei baixinho e lá a segui. Apetecia-me tudo menos estar ali. No fim ela não tinha comprado nada, eu sim.
Fiquei todo contente com um porta-guardanapos e uma placa retro para pendurar na minha cozinha.
Tenho a perfeita noção que vou resmungar baixinho com a Raquel mais não sei quantas vezes na vida com coisas que vou gostar de fazer. A resmungar baixinho, aliás, já conheci o norte de Itália, já fiz um desporto chamado canyoning, já passeei por diversas aldeias históricas de Portugal, já fiz campismo selvagem e já andei nalgumas das maiores montanhas russas do planeta. Gostei de tudo, mas resmunguei baixinho em todas elas.
Acho que é biológica, esta tendência para evitar a imprevisibilidade. Se estou no sofá a ler o jornal ou se tenho planeado fazer um percurso do ponto A ao ponto B, começo por resmungar assim que a Raquel me propõe qualquer alteração. No entanto, como já sei que ela tem sempre razão no que propõe, resmungo baixinho.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»