Isto não é importante, mas penso muitas vezes como teria sido a minha vida se nessa noite não tivesse ido à casa de banho daquele café. Muito diferente, certamente. Não tinha passado dezasseis anos com ela e a minha filha não existia. Talvez nem tivesse filhos, mas se tivesse seriam outros.
Não acredito no destino, mas acho mesmo muito interessante a forma como a probabilística nos molda a vida. A maior parte do tempo nem pensamos nisso, mas pequenas coisas sem importância nenhuma podem mudar significativamente o rumo da nossa vida.
Estava a detestar a sensação de ver os assuntos entre nós morrer rapidamente. Eu dizia qualquer coisa e ela nunca tinha resposta. O mesmo se passava no sentido inverso. Era como se a nossa conversa fosse composta por peças de puzzles diferentes. Estava a detestar o facto, principalmente porque sabia que a Irina era mulher para se levantar e ir embora ao mínimo suspiro. É que a mim agradava-me estar perto dela, mesmo quando as conversas não passavam de meras tentativas de encontro, e aquele fim de tarde no café estava a saber-me bem.
Eu estava a folhear o mesmo jornal pela quinta ou sexta vez, apenas para justificar a minha presença ali. Assim, evitava estar a olhar para ela frente a frente, sem termos nada que dizer um ao outro. Acho que ela se apercebeu, porque a certa altura passei três ou quatro folhas sem sequer olhar para elas. Foi então que se referiu a um livro qualquer que andava a ler (não me lembro do autor nem do nome) em que duas pessoas se apaixonavam na porta da casa de banho dum café.
- Na porta da casa de banho dum café?! - Perguntei. - Foi assim que conheci a minha ex-mulher...
- Que lindo! E também decidiram fazer uma viagem os dois até um país distante?
- Não. Decidimos tomar café uns dias depois. Porque é que eu havia de fazer uma viagem com uma pessoa que eu mal conhecia?
Senti o peso do olhar desiludido da Irina por, mais uma vez, ter estragado uma conversa que estava a começar. A ela apetecia-lhe falar sobre uma surreal aventura amorosa qualquer, eu estava muito terra-a-terra nesse dia. Ela acabou, uns cinco minutos depois, por se levantar e despedir-se.
- Vou andando! - disse.
Pedi uma cerveja e fiquei ali mais uma meia hora sem fazer nada de interessante. Uma espécie de meia hora vegetativa a ter pensamentos que eu próprio não poderia descrever, como se não fosse eu a tê-los realmente e não passassem dum ruído de fundo qualquer. Do televisor, por exemplo.
Uma mulher entrou no estabelecimento e foi directamente à casa de banho. Ao abrir a porta bateu de frente num homem que ia a sair. Ficaram ali uns segundos a falar um com o outro e depois acabaram sentados ao balcão, lado a lado. Primeiro com um banco de intervalo entre eles, depois ele moveu-se para mais perto dela. Pareceu-me que era a primeira vez que estavam a falar, mas talvez já se conhecessem.
A minha coincidência desse dia foi outra. Se a Irina tivesse ficado mais algum tempo no café, talvez tivesse visto aquela cena e teríamos certamente motivo de conversa. Talvez ficássemos o dia todo um com o outro, jantássemos juntos, bebêssemos um copo num bar pouco frequentado ou fôssemos ao cinema. Não aconteceu. Acho que passei a vê-la com menos frequência desde esse dia.
Nunca consegui contar-lhe isto, principalmente porque sempre achei que ela ia pensar que eu estava a mentir.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»