Era conhecido no bairro onde morava, como um simpático estoira-vergas, sempre envolvido em noitadas com muito álcool, discotecas, mulheres, patuscadas...
A meio do mês já costumava ter o dinheiro do ordenado totalmente espatifado, mas a Dona Gertrudes, sua mulher, ia segurando as pontas do orçamento familiar com os proventos que amealhava com os trabalhos de modista bem afreguesada que, de manhã à noite, ia executando em casa.
Mas depois de o Adrião Monteiro ter caído no desemprego e, especialmente, quando se esgotou o período em que andou a receber o magro subsidio, as coisas complicaram-se.
A Gertrudes trabalhava cada vez mais, mas, felizmente, tinha conseguido arranjar uma boa cliente, uma senhora que lhe encomendava belos vestidos.
Via-se que era uma senhora fina e que lhe pagava pontualmente o trabalho.
O Adrião, apesar das dificuldades financeiras, continuava a fazer o mesmo tipo de vida que fazia antes.
Andava até enrolado com a Carmen, uma espanhola de Málaga que há tempos conhecera numa boite de alterne dos arredores.
Estava-lhe na massa do sangue!
Passava as tardes fora de casa, prolongando muitas vezes as ausências pela noite dentro, sempre à custa dos dinheiros que pedia à Gertrudes que, condoída, achava que ele precisava de espairecer.
- Meu amor, custa-me tanto ter que te pedir, mas não me consegues arranjar cem euros?, perguntou, naquela manhã, o Adrião à mulher, enquanto lhe afagava o cabelo com carinho.
A Gertrudes virou para ele os olhos cansados, desfez-se da agulha e da linha com que costurava, sorriu-lhe e retribuiu o afago acariciando-lhe a mão.
Levantou-se e foi ao quarto onde tinha guardada uma nota de cem euros num pequeno guarda jóias de louça.
Desdobrou-a e reparou que alguém tinha escrito num canto, os dizeres:
“Nunca mais voltarás à minha mão”
Achou graça e escreveu a lápis, por baixo dos tais dizeres:
“Nem à minha!”
Voltou à sala e entregou-a ao marido que, refastelado no sofá, seguia atento o Big Brother.
- Obrigado meu amor. És uma querida, disse o Adrião, levantando-se e dando-lhe um beijo fugaz na face, metendo, apressado, a nota no bolso.
Dirigiu-se ao hall, mirou-se ao espelho dando um toque na madeixa de cabelo que lhe descaía para a testa e, antes de sair, ainda afivelou um ar pesaroso e perguntou à mulher:
- Se calhar este dinheiro faz-te falta, meu amor...
- Não te preocupes, querido. Hoje vou receber cem euros do vestido que fiz para aquela senhora fina de que te falei e que ultimamente me tem encomendado muitos trabalhos.
O Adrião saiu, mais descansado, e foi à sua vida.
Ao fim da tarde voltou, beijou a Gertrudes ainda agarrada à máquina de costura e sentou-se no sofá.
- Olha meu querido, já cá veio a tal cliente e pagou-me os cem euros do vestido, disse a Gertrudes, sorridente abanando a nota que tinha recebido.
Ao fazê-lo, reparou que, tal como a outra, tinha uns dizeres escritos por alguém.
Olhou melhor e nem queria acreditar!
A nota era a mesma, não havia dúvidas. Lá estava no canto, a lápis, com a sua caligrafia:
“Nem à minha!”
- Pode lá ser? Ripostou o Adrião, com o coração descompassado...
E em voz quase inaudível:
- Como é que se chama essa tua cliente?
- É a D. Carmen, respondeu pausadamente a Gertrudes...
Porquê, conhece-la?
- Eu? Não, nunca a vi, articulou a custo o Adrião.
EPÍLOGO
A D. Gertrudes divorciou-se e hoje é uma empresária de sucesso. Ficou com um hábito para o resto da vida. Não há nota que lhe passe pela mão que não lhe escreva uma marca identificativa...Rui Felício
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