15 junho 2016

«respostas a perguntas inexistentes (342)» - bagaço amarelo

Quer dizer

Lembro-me da insistência dela para que eu falasse. Quer dizer, nunca percebi muito bem se ela queria apenas que eu falasse ou que eu dissesse. É que falar e dizer são coisas totalmente diferentes, e eu estava numa de silêncios. O silêncio, para mim, era a nossa intimidade, e ela não devia precisar que eu o quebrasse.
Depois disso o nosso Amor morreu. Quer dizer, não morreu duma vez. Foi morrendo um bocadinho todos os dias. Não me importei muito porque nem cheguei a ver o cadáver. Quando morreu, morreu já longe. Creio que numa estrada nacional à noite. Ela ligou-me e disse-me que já não vinha mais. Pelo menos durante um tempo, referiu. Eu assenti com um "hum, hum". Estava zangada. Percebi sem que mo dissesse.
Nesse telefonema, há alguém que não sabe que eu ouvi o ruído do motor da sua motorizada a passar lá atrás e que, nesse momento, o comparei ao que nos tinha acontecido aos dois. O nosso Amor tinha sido um ruído assim, a crescer tão rapidamente como a desaparecer numa estrada que eu não percorrera. Quer dizer, três semanas. Creio.
Um Amor precisa de se entender nos silêncios, porque é nos silêncios que os olhares se explicam melhor. E o corpo, já agora. Nunca lho disse, mas quem pede tanto que se fale é porque não sabe o que o silêncio quer dizer. Quer dizer tudo, quer dizer.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»