22 junho 2016

«respostas a perguntas inexistentes (373)» - bagaço amarelo

Coloco duas colheres de café numa cafeteira de vidro antiga, fervo um pouco de água e misturo. Tenho que esperar cerca de um minuto para que o filtro humedeça e possa descer pelo vidro suavemente, caso contrário fará um movimento abrupto e desperdiçarei café.
São cerca de dois a três minutos para preparar a bebida e, sempre que o faço, lembro-me da minha máquina de pastilhas em Portugal. Não com saudade, mas porque essa é mais uma memória que me ajuda a entender-me a mim mesmo. É o tempo, pá. Do que me lembro é de estar impaciente durante os vinte segundos que demorava a tirar um café nessa máquina e então reparo como estou a ganhá-lo. Ao tempo, repito.
Sento-me a ver a mistura a fazer-se e contemplo-a ao mesmo ritmo da vida. É sempre assim. Ainda ontem me sentei num bar no centro da cidade e pedi uma Kamenitza de meio litro. Não sei quanto tempo estive a ver o desfile de transeuntes lá fora, através duma janela empoeirada, como se o tempo estivesse a contar apenas para eles. Depois duas mulheres pararam a conversar e uma delas olhou para mim duas vezes. Trocámos um sorriso e o barulho do antigo relógio de cuco do bar tornou a fazer-se ouvir.
Pensamos que a solidão se dá quando estamos sós, mas não é verdade. A solidão dá-se quando não sabemos estar connosco, mesmo que estejamos rodeados de pessoas. É uma cobra, essa gaja. Até no Amor mais intenso pode aparecer a deslizar, se não aprendemos a fazer um café de três minutos aproveitando a vida.

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Blog «Não compreendo as mulheres»