10 junho 2018

«sem título» - bagaço amarelo


Às vezes lembro-me dela só porque o vento sopra. Não há outro motivo. Caminho pelas ruas desertas da cidade e o vento vem tocar-me. Às vezes faz-me uma festa no cabelo, outras vezes dá-me a mão fria e de vez em quando até me abraça. Ela também era assim. Tinha o mesmo toque frio do vento, mas que tanto me aquecia.
Lembro-me que uma vez lhe disse exactamente isso. Caminhávamos numa imensa avenida e ela deu-me a mão. Sei que sorriu, embora não lhe tenha visto os lábios. Tens a mão fria, disse eu. E ela tirou-a. Podes deixar, está fria mas aquece-me. E ela tornou a sorrir e eu tornei a não ver.
É assim que agora me lembro dela, aquecido pelo vento frio que sopra devagar nas ruas duma pequena cidade inglesa. Caminho junto a um canal de água durante a noite e tento não acordar os barcos com o barulho dos meus passos. A noite vai um pouco amarga e as minhas memórias vão tão doces.
Uma vez, já não sei quem disse-me que o Amor morre facilmente com a distância do espaço e a largura do tempo. Talvez até tenha sido eu mesmo, e agora o vento vem dizer que me menti.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

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