19 julho 2006

Os fazedores de sonhos.

Ficou olhando pela fresta da porta encostada enquanto ele se esfumava na escuridão dum céu sem Lua, e se ia tornando sucessivamente nas silhuetas das sombras que enchiam de noite a rua estendida aos pés do minúsculo ponto de luz que um velho e tremeluzente candeeiro pontuava em miragem, algures e já fora do alcance do olhar.
Suspirou, e prolongou-se perdida pelas formas escuras e infinitas onde as suaves tiras de luz, que surgiam aqui e ali, barravam o afundar dos pensamentos. O mundo real a reclamar os seus direitos, pedaços de rua, uns perfis de janelas, um recorte quase adivinhado duma porta e já distante, uma ponta de telha fendida duma nesga de telhado a desafiar, transportada por um fio fino de luz, o céu novamente fundido no escuro e infinito do seu sonho.
Fechou a porta, e sentou-se no sofá. Encostou a cara ao tecido e às almofadas e fechou os olhos. O seu cheiro…Inspirou uma e outra vez e mordendo os lábios saboreou novamente o gosto da sua boca.
- Meu Deus!... Ainda só agora ele se afastara e já a angústia e a ausência lhe cobravam os tributos com toda a força.
Levantou-se novamente e abriu a porta com um nó na garganta. Queria gritar. Dizer-lhe: - Volta amor… nunca mais me deixes só...
Não ligues aos meus argumentos. Não te deixes embalar pela minha retórica de dizer-te que quero viver a minha liberdade e de não querer partilhar o meu espaço com nenhum homem. Quero-te sim, meu amor. Quero-te para sempre ao meu lado, em cima de mim, dentro de mim. Quero sentar-me no teu colo e perder-me em beijos e carícias. Sentir as tuas mãos no meu corpo e perder-me, pequena e indefesa no teu infinito de homem e sentir-me toda envolvida por ti…Quero fazer todo o amor do mundo contigo e não quero que te vás embora nunca mais…Não quero ficar só. Preciso de ti meu amor. Vem! Volta e dorme comigo, abraçado a mim, toda a vida… Fazes-me tão feliz...
Saiu do mergulho do vazio da rua e abaixou o olhar.
Fechou a porta e sentou-se novamente. Fitando sem ver o canto da sala numa estranha modorra, de braços fechados sobre si própria, cruzando o peito à altura dos ombros, de cabeça baixa entregue à suave carícia dos polegares remetendo as intensidades para a doçura calma dos mundos interiores à beira do sonho, dos gestos dele, dos seus lábios e carícias, das palavras suaves sussuradas ao ouvido, e dos corpos entregues ao infinito.
Flutuava suavemente, num compasso de espera sem tempo...


O telemóvel deu dois curtos toques, e o seu coração despertou.
Era ele!
Uma mensagem.
- Saudades… - uma única palavra.
Sorriu mordendo levemente o lábio inferior.
Rapidamente digitou: -Volta, amor. Preciso de ti. Agora…
Depois ficou olhando para o visor, esperou, inspirou fundo e apagou tudo.
Escreveu: - Beijos mil... - enviou e ficou esperando a confirmação do envio.
Viu como tardava, como novamente a inquietação tomava forma e acedeu aos relatórios de mensagens. - Pendente. –
Duas ruas mais abaixo ele desligara o telemóvel antes de entrar para o carro. Sentou-se, colocou o cinto e encetou a viagem de regresso a casa, enquanto o nó na garganta o transportava a caminho do sonho...

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