22 janeiro 2008

nada

– O que é que sinto quando fazemos amor? – repetiu ela, embasbacada.
Ele acenou com a cabeça confirmando a pergunta.
Ela olhou-o incrédula e tornou a perguntar:
– O que sinto?
– Sim.
– Queres mesmo saber?
Ele sentiu a acidez na voz dela. Percebeu o conselho implícito na pergunta, que soara claramente como um “não queiras saber”, mas seguiu como se nada tivesse sentido, como se ele próprio não duvidasse do que estava a fazer.
– Quero – afirmou, sentindo-se entrar numa rua de sentido único ou pior, o olhar dela causou-lhe desconforto físico, num beco sem saída. – Acho que quero – deixou escapar num murmúrio.
– Achas que queres ou queres?
– Quero – reafirmou ele e repetiu: – O que sentes quando fazemos amor?
Ela desviou o olhar para a televisão e questionou-o entre dentes:
– Isso é para quê?
– Isso o quê?
– Essa pergunta. – Mudou o canal como se tal justificasse o seu olhar fixo na televisão enquanto falava. – Que merda de pergunta é essa?
– Escusas de ser mal-educada – repreendeu ele, em tom sério.
– É uma pergunta de merda – confrontou-o ela, encolhendo os ombros.
– Mesmo assim.
– Sinto o que sinto – disse ela, de chofre. – E tu?
– Nada – respondeu lacónico.
– Nada?! – Ela sentiu um formigueiro que começou nos pés e alastrou a todo o corpo e que quase a obrigou a levantar-se mas conteve-se. – Não sentes nada quando fazemos amor?!
– Não.
A inexpressividade dele feria-a. As respostas curtas e secas magoavam-na. “O teor não”, espantou-se ao perceber isso. O conteúdo da informação não lhe provocava nada, um novo encolher de ombros quanto muito.
– E eu com isso? – atirou-lhe. – Não gostas, fazemos menos. – Fez uma pausa para saborear a expressão desamparada dele e rematou: – Ou não fazemos de todo.
– Ajeitou a almofada do sofá e deitou-se, como ele já não lhe via a cara, sorriu. “Vai-te lixar!”
– E tu? – perguntou ele, tentando recuperar a conversa.
– Eu, o quê?
– O que é que sentes?
– Sinto que queres discutir. Sinto que me querias dizer o que já disseste. Sinto que… – Ela ergueu meio corpo para o olhar de frente, séria. Desafiadora.
– Sim? – Ele sustentou o olhar dela.
Ela sorriu, fez uma pausa e explodiu serenamente:
– Na verdade, se queres saber, quando faço amor contigo sinto-me bem. Gosto que me fodas. Continuo a vir-me. Continuo a gostar de te ter dentro de mim. Continuo a gostar dos teus beijos, das tuas carícias, dos teus pacientes minetes e dos teus dedos entusiasmados. Continuo a gostar do teu cheiro, do toque da tua pele, do sabor da tua boca, do teu esperma e do teu caralho torto. Continuo a gostar de fazer amor contigo e acabo de perceber que isso não me chateia, não me chateava antes, nem me chateia agora, e que, da mesma maneira, provavelmente pela mesma razão, não me aquece nem me arrefece que tu não sintas nada…
– Não? – murmurou ele.
– Não – confirmou ela – e, de qualquer maneira, vens-te sempre – disse em tom depreciativo. Tornou a deitar-se e concluiu: – Por isso, nem vejo que diferença possa fazer.

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