01 agosto 2010

Armadilhas

Quero falar contigo. Senta-te aqui. Sim, nessa cadeira de papel. Vou dobrar-vos na hora; embrulhados no tempo dos elefantes hão-de sobreviver-me, até eu já me sobrevivi um destes dias. Acredita, eu não quero ver morrer; preparo-te esta armadilha, soltar-te-ei depois de me ir. Cala-te, cala-te, não me digas isso, não te mintas mais. Calei-me, desculpa, estava a arrumar os meus bolsos, julguei que lá tinha palavras mas não as encontrei. Não, espera, eu tinha, sei que tinha; devo-as ter perdido. O que sabes tu das palavras que se perdem? Sabes, sabes, eu sei que sabes; quem como tu fecha os olhos é porque vê sempre muito mais, mais do que todos, mais do que olhos podem ver sem desaguar na alma; és um caçador de palavras e depois o seu domador. Anda, ajuda-me, espreita aqui nos meus bolsos; isso, sim, debruça-te, debruça-te mais um pouco...

(A mulher entrou no bar. Dali saiu sete mil vezes num número de noites inconfessável por ser muito menor. Despiu sete mil estranhos. Traiu sete mil vezes sem nunca trair. Nunca se despiu ou sequer teve vontade; sentia o que levava nos bolsos.)

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