Quero fazer-te chorar.
Uma inteira lágrima, um todo que te agarre pelos joelhos. De quem é o vento que não é teu? Quero explicar-te que o vento que não é teu, não é teu e quero que o chores quando entenderes o que não tens.
Quero fazer-te chorar.
Quero que chores a crueldade de mim, o amor de mim; dou-te o eu que dar-te o eu não é dar-me. Dou-te o eu que não é dar-me e dou-te o eu em violência serena; tenho que te cortar, não te posso dar o eu sem te cortar um corte que te doa; dou-te o eu que é inteiro; o inteiro eu nos teus lábios cairá; dou-te o inteiro eu se a boca abrires que é pela boca que o eu se recebe e entrará.
Dou-te o eu se o receberes; se o receberes, abriste a boca e sabes de mim nos lábios e na garganta e no peito.
Tu conheces as mulheres; sabes que quando dão a carne, dão-se. Não é disso que te falo, nem será. Não falo desse dar-me nem falarei. Falo do eu; se me receberes sei que saberás do que falo.
Dou-te o eu e o eu faz feridas; nada do que é tão ser pode passar sem esmagar. Quero que chores. Chora a morte dos que perdi, a morte dos que me morreram, as mortes que eu morri. Queima-te, corta-te! É ser eu.
Quero que chores.
Chora a lágrima que chorei quando nasci, chora a lágrima que não chorei, chora a lágrima de quando não nasci; chora a dor de parto em que o eu eu atravessei.
Dou-te o eu impiedoso, impiedosamente, pelo amor que te posso dar.
Quero quebrar-te, partir-te, contagiar-te, derrubar-te por cada vez que quebrei, parti, fui contagiada, fui derrubada; estive tão sozinha aqui, tão perdida, ninguém me veio buscar e eu chorei e ele não veio mesmo quando me ouviu gritar; lágrimas minhas tuas.
Chora o que me doeu porque me doeu tanto que eu sou eu.
Chora o que chorei; esta tristeza maldita que se transforma em felicidade aguda é como água que escalda em cima de gelo: faz estalar! É por aí que quero entrar; é assim que os teus lábios abrem; chora a dor que me fez chorar, assim, perdida, pequena, sem colo, sem ninguém. Falo do eu; se me receberes sei que saberás do que falo.
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