As palavras
queimavam-lhe a garganta, tal como as lágrimas lhe faziam arder os olhos.
Calou-se. Primeiro engoliu tudo o que tinha para lhe dizer e calou-se. Depois,
secou as lágrimas com as costas das mãos. Enfrentou a dor e a vergonha de tanto
lhe doer e cerrou os dentes e os lábios. Engoliu em seco. Tornou a engolir em
seco. Mordeu o lábio inferior e suspirou profundamente. A infelicidade de ser
quem era naquele momento infiltrava-se por todos os poros e contaminava-lhe
corpo e alma. Doía-lhe. Doía-lhe fisicamente. Sentia arrepios de frio e
tremores por todo o corpo. Sorriu. Fez um esforço e sorriu. Enfrentou a pena
que sentia de si, o seu corpo que vacilava e parecia quer desmoronar-se e o seu
ser mais profundo que queria abandonar-se à dor, à inacção, ao desalento e
sorriu. Um sorriso forçado, que não passava dos lábios, mas um sorriso.
– Sabe, bem – disse
ela, com o sotaque meloso que o derretia desde o primeiro momento em que a
conhecera, mostrando-lhe um sorriso complacente, quase maternal, que lhe
iluminava o rosto, os olhos, as sardas. – As coisas quando não acontecem é
porque não têm de acontecer.
Ele, o bem,
esqueceu-se do sorriso, que desapareceu sem deixar rasto, e mostrou em todo o
seu esplendor o desgosto que o dominava.
– Eu não acredito no
destino – declarou António, que dissera chamar-se Luís. – O destino somos nós que
o fazemos, Luísa.
– Heloísa – emendou
a mulher, ainda com sotaque mas já sem mel. Não costumava enganar-se nos
clientes que abordava mas, naquele caso, parecia-lhe, enganara-se redondamente
e perdera vinte minutos como figurante numa encenação manhosa de uma peça muito
vista.
– E podemos ser
felizes, Heloísa – insistiu Luís enquanto António. – De certeza que podemos
chegar a um entendimento, afinal estamos a falar de vinte euros de diferença.
Podemos rachar…
– Você assim não
racha nada, cara.
– Eu subo dez e você
baixa dez e…
– Somos felizes? – A
mulher levantou-se.
– Sim – disse o António
que falava pelo Luís. – Adoro o teu sorriso com sardas, já te disse?
– Eu só sou feliz
quando me pagam o meu preço e sim, já me tinhas dito, há vinte minutos atrás.
Tanto o Luís como o
António ficaram embasbacados a olhar para a mulher que, de repente, em pé, perdera
o sotaque e seguira sem um adeus embrenhando-se na pequena multidão de homens e
mulheres que deambulavam pela sala, eles com cervejas ou copos de whisky na mão,
caçadores prestes a ser caçados, e elas com sorrisos e gestos encantadores ou
sexualmente explícitos dando ar de presas submissas ou rebeldes, mas todas com
ar de quem tem mais do que fazer do que andar por ali a patinhar.