17 junho 2012

«Geometria variável» - por Rui Felício


Sempre foi muito namoradeiro...
Já assim era no Porto onde nascera e vivera até à adolescência, e de igual modo continuou em Coimbra para onde foi morar por ordem do pai que o queria afastar da noite e da borga portuense. Na esperança de o ver assentar e dedicar-se aos estudos. Não era com certeza por acaso que Coimbra era conhecida como a cidade dos estudantes. A cidade onde se estuda…
Hospedou-se no Bairro, lugar pacato de gente humilde e trabalhadora.
Mas o Carlos já trazia a escola tripeira das noites da Foz e da Ribeira, entranhada na alma e no corpo, e rapidamente descobriu que, embora mais pequena, a cidade estava inundada de garotas giras, de espírito livre, que a sua visão de lince ia descobrindo, registando, frechando-as com golpes certeiros do seu olhar romântico e sorriso cativante.
Ao fim de pouco tempo já namorava uma colega do Alexandre Herculano, paredes meias com o São Pedro para onde ele carregava os livros diariamente. Era a Clara, linda rapariga a quem uma imperceptível cicatriz no queixo dava uma beleza invulgar, exótica, sensual.
No fim das aulas, o Carlos acompanhava-a até à Av. Dias da Silva onde ela morava e depois descia os Loios a correr até ao Calhabé.
Não tardou muito que começasse também a namorar a Ângela, que se perdeu de amores por ele num baile do Futebol Clube do Calhabé. Como ela morava na Casa Branca e estudava no Liceu Infanta D. Maria, perto do Estádio, o Carlos conseguia, sem grande risco, repartir-se pelas duas namoradas, dado que elas frequentavam zonas diferentes da cidade.
Alguns amigos avisavam-no que era melhor não manter aquela situação dúplice porque era perigosa e ele podia vir a dar-se mal com isso.
O Carlos era muito senhor do seu nariz e, quando o tentavam aconselhar, respondia com alguma rispidez e sarcasmo:
- Oh pá! Elas são como as rectas paralelas! Por mais que se prolonguem nunca se encontram! Pelo menos é isso que nos ensinam nas aulas de Geometria, não é?…
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Certa noite, abriu com grande pompa uma discoteca nova, moderna, a primeira digna desse nome na cidade de Coimbra. Ficava ali ao fundo das escadas monumentais e encheu-se de estudantes na sua inauguração. O Carlos não podia faltar e lá foi, mais uns amigos do Bairro, beber um copo, ver o ambiente e fumar uma cigarrada.
De súbito, viu a Clara dirigir-se a ele, a abrir caminho por entre a multidão, acotovelando aqui, empurrando acolá. Sorriu-lhe, deu-lhe um beijo, pegou-lhe na mão e explicou:
- Tinha-te dito que não vinha cá, mas o meu irmão insistiu tanto que vim com ele. Tão bom estarmos juntos!
O Carlos afivelou o seu sorriso de galã, mas que se desvaneceu pouco depois tornando-se progressivamente num riso amarelo.
Do fundo da sala, a Ângela acenava-lhe. Veio a correr até junto dele, dizendo-lhe que sabia que ele viria e quis fazer-lhe uma surpresa, vindo com mais umas colegas à inauguração.
- Estás feliz por me veres?
Foi então que a Clara e a Ângela se fitaram e perceberam tudo. Ambas desapareceram, furiosas, cada uma para seu lado, remoendo entre dentes ameaças e vinganças contra ele.
O Carlos recuperou-se a custo, acalmou e afirmou imperturbável para os amigos que o rodeavam:
- Aquilo que nos ensinam nas aulas de geometria está completamente errado! Ao contrário do que nos dizem, as rectas paralelas podem encontrar-se sim! Aliás, consta nos manuais que se encontram no infinito!
- E o nome desta discoteca, como vocês sabem, é esse mesmo: Infinito.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações