- Escolhe! - Ela também sorriu.
Foi assim que nos sentámos na sala, de frente um para o outro, depois de uma noite em que percorremos praticamente todos os bares e tascos da cidade, para ter finalmente algum tempo a sós. O chá dela a fumegar e o gelo do meu uísque Bushmills a derreter lentamente. De certa forma, era o perfeito culminar daquela primeira noite a dois, porque o que eu tinha sentido era mesmo isso: que ela era quente e que eu era frio.
Aliás, foi essa a razão principal para mudarmos tantas vezes de bar. Ela queria estar sempre num onde se pudesse dançar, eu queria um onde pudesse estar sentado a conversar. Nunca o assumimos, mas fomos abdicando das nossas preferências em prol da cara de tédio do outro. Duas pessoas podem viver assim uma noite ou duas, mas não podem viver uma vida. Pelo menos foi o que eu pensei naquele momento e apeteceu-me chorar pela primeira vez.
- Tens música?
- É só escolher. - respondi com o mesmo orgulho disfarçado com que tinha exibido a minha pequena colecção de chá, enquanto apontei para os dois armários repletos de discos compactos, discos de vinil e até cassetes.
Ela desistiu. Provavelmente pensou que, depois daquela noite, não conseguiria encontrar uma só música de que gostasse. Seria como encontrar uma agulha num palheiro. E eu, para não criar ainda uma distância maior, fingi-me despercebido ao olhar indiferente dela para a minha colecção de música
Passei a concentrar-me apenas no essencial, que era o momento presente e que, para mim, consegui calcular em cerca de três segundos. Cada três segundos que passavam era uma oportunidade conseguida ou desperdiçada relativamente ao grande objectivo dessa noite: dormir com ela, abraçá-la ou tocar-lhe. Qualquer coisa.
Ela deu o primeiro gole no chá ao mesmo tempo que eu acabei o meu uísque. Ao dobrar-se para pousar a chávena no chão, através do decote em bico, consegui ver-lhe os seios que pareciam querer saltar do sutiã apertado. Quando se endireitou de novo no sofá, já eu tinha engolido todos os cadáveres das pedras de gelo que tinham sobrado do meu copo, sinal evidente de impaciência.
Levantei-me e pus-me a olhar pela janela, como se ao tirar dali o meu olhar pudesse também expulsar esse estado de ansiedade. Lá fora, a solidão própria da noite povoara as ruas que horas antes percorrêramos de bar em bar. Eu e ela. Senti-a aproximar-se e pôr o braço à volta da minha cintura e retribuí, naturalmente, com o meu braço a envolver-lhe os ombros. Pousei, finalmente, o meu copo cansado de estar vazio. Finalmente, o futuro transformara-se em presente, com o mesmo doce nervosismo intermitente dum dos candeeiros da rua. Medi os ciclos dessa intermitência e do abraço da Magda. Três segundos, é quanto tem o presente.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»