15 junho 2012

Mundo

Ele viu-a a caminhar lentamente como se tivesse esquecido para onde ia e ficou logo impressionado. Gostou do que viu e do que sentiu. Sorriu. Parou e ficou a vê-la seguir num passo lento mas certo, sem hesitações, nem paragens, como se caminhasse no seu próprio mundo. Enquanto a viu, ela caminhou sem olhar para onde quer que fosse e a cadência lenta com que o fazia fê-lo pensar em alguém que mais do que procurar o caminho se procura a si própria. Reforçou o sorriso pois já tinha bebido e achou graça à ideia de ver uma mulher caminhar uns segundos e achar que ela ia no seu mundo e, ao mesmo tempo, estava à procura de si (si ela, não ele, esclareceu, ainda que tivesse mais graça, pensou, se ela andasse de facto à sua procura, dele, não dela). Também pode ir ter com alguém, conjecturou quando a viu desaparecer duas esquinas mais à frente, mas se for não está como muita vontade. Mais valia vir ter comigo. Riram-se (ele e o álcool).
Na dúvida se não a devia ter abordado, seguiu, ele sim perdido mas não de si, do sítio para onde ir, e tornou a cruzar-se com ela. Andamos perdidos nos mesmos caminhos, eu sabendo-o mas sem os saber, tu sabendo-os mas sem o saber. Deixou-se de trocadilhos etílicos e concentrou-se na esperança que ela fosse para o mesmo sítio que ele. Forçava pensamentos positivos e seguia-a como se pudesse encaminha-la para onde ia, ainda que não soubesse como lá chegar. Riu-se baixinho da figura de idiota que estava a fazer e perdeu-a, enquanto se censurava por não lhe pedir ajuda. Ela conhecia as ruas e ajudava-o a encontrar. Ele queria conhece-la e ajudá-la a encontrar-se mas, quando se decidiu, já não a via. Disse palavrões e entrou num bar, saiu. Não era ali.
Ligou o telemóvel e perguntou o nome do bar. Disse onde estava e seguiu as instruções que lhe iam dando. Cruzou-se com ela e sorriu-lhe mas seguiu as instruções que recebia e continuou. As ruas estreitas do bairro histórico não estavam vazias e, além deles, havia mais gente em trânsito. Achou que ela não o viu. Que ela nunca o viu.
Chegou. O bar estava cheio e a festa animada mas ficou na rua. Esperava tornar a vê-la e decidira falar-lhe. Impreterivelmente. Bebeu e não bebeu mais. Conversou e, por fim, entrou mas mesmo quando estava lá dentro estava lá fora a palmilhar as ruas, a seguir uma gabardina comprida, uns saltos altos vermelhos e uma estranha peruca berrante que ela levava.
Nunca mais a tornou a ver mas gostava. Muito. Gostava de a ver e de lhe falar. De tornar a sentir o que sentiu quando a viu e de poder conhecer o seu mundo.