Amor aos primeiros minutos. Logo. Como o amor dum cão. Um cão vai logo ao primeiro que lhe faça uma festa. Vai logo atrás. E logo a seguir, aquele é “o dono” e pronto. Para sempre. Pelo cão será para sempre. Que capacidade de amar! Incrível! Ama logo à primeira. Eu também. Eu também amo logo à primeira (se quiser). Fui assim desde sempre, amo logo à primeira. E sempre amei muito. Tive um excelente mestre: a minha mãe. Especialista em amar. Aprendeu a amar em criança não sendo amada. Uma experiência terrível na origem de uma capacidade incrível de amar com qualidade. A minha mãe sabe mesmo amar. E a mim amou-me sempre muito. Só ela me amou a sério, mas sempre muito e muito bem, sempre o melhor. Ela aprendeu a amar não sendo amada, e eu prossegui com a sua experiência, aprendendo a amar sendo amada. Desde o começo sempre eu me dispus ao amor com toda a gente: pelo gosto que me é espontâneo de amar. E sofri… xi!! Como sofri entregue a este mar de egoísmo cego que por aí afora grassa…
… sucede que “por sorte”…
O amor é tudo. É só o que importa. Jesus disse-o. Ninguém entendeu nada. Os Beatles insistiram (All you need is love). Ninguém entendeu nada. E eu, entendi agora (só agora), aos quarenta anos, porque fui catapultada por razões desconhecidas para um nível de entendimento diferente, de onde se avista de muito mais alto, mais longe e mais claro. Alcancei a metamorfose. Outra. Não fosse assim, também eu não entenderia nada apesar de tão simples.
Sucede que eu sempre pratiquei o amor muito e o melhor que podia. Não o compreendia, mas sempre o pratiquei muito e o melhor que podia. O amor é tudo. A razão de existirmos. O que nos une ao Universo e à sabedoria reunida por todos. Existimos para amar. E é assim e só assim que aprendemos e evoluímos enquanto pessoas (seres) e isso é a única coisa que conta, que importa. E também é só assim que se cria algo de realmente bem feito, belo, intenso, perfeito: arte. Com amor. Grande, intenso, profundo. Só assim. Por amor a alguém ou a algo (um animal, uma planta, uma paisagem…) A amar para fora. Dando atenção, tempo, conhecendo o outro, a sua essência, o que ele é, a sua verdadeira natureza, conhecendo-o e compreendendo-o a fundo, sendo capaz de pensar com ele, pensar como ele através de uma experiência de vida diferente… (Aprende-se muito a fazer isto.) E depois, depois de o conhecer e tentar compreender (porque compreender a sério - ser capaz de pensar como o outro - é muito trabalhoso e demorado), determinar as suas necessidades e tentar ajudá-lo a obter aquilo de que ele precisa, ou mesmo fornecer-lhe aquilo de que ele precisa, uma palavra (às vezes uma só - só uma - faz a diferença), ou seja, agir no sentido da sua máxima felicidade. Amar é isto.
Aconchegar o outro quando ele tem frio, jardinar para ele as flores de que mais gosta, cozinhar para ele saudável, saboroso, bonito, abraçá-lo se está triste, tranquilizá-lo se está nervoso, pensar nele, estar disponível, escrever-lhe, apreciá-lo, dar-lhe o ombro para chorar, partilhar com ele experiências, estar atento aos seus movimentos, aos seus pensamentos, aos seus sentimentos, aos seus sonhos, às suas palavras, às suas necessidades, conhecê-lo, compreendê-lo, respeitá-lo, perceber os seus gostos, ajudá-lo a solucionar os seus problemas, observar as suas coisas com atenção, com olhos de ver a estética e a ética, conversar com ele, comunicar com ele, rir com ele, dar-lhe prazer… proporcionar-lhe uma experiência o mais positiva possível. Isto é que é amar (para fora). Ir além do egoísmo e do puro instinto animal, do “só eu, só meu”. É assim que o amor “acontece”. É assim a inteligência: ser-se capaz de, sem esforço, ir além do puro instinto animal, egoísta, possessivo, materialista, territorial. Ter a força e a vontade e a persistência necessária para abrir a porta a um novo significado para a existência. A sua razão maior: evoluir para a felicidade.
Aprender a fazer acontecer o verdadeiro amor é algo de extraordinário.
Quando se faz isto, se intenta neste objectivo com este propósito, mesmo que seja só por cinco minutos, o amor acontece. Plint! Acontece! Em diferentes intensidades, mas acontece. Estava distraído o jovem da caixa de supermercado. Completamente ausente. Enquanto ensacava, aproveitando um momento mais favorável, fitei-o e disse-lhe com doçura: “Que grandes pestanas as suas, hein?” (foi sincero) Ele sorriu. Eu sorri. E os nossos olhos brilharam. Pronto. Aconteceu o amor (cinco segundos, mas aconteceu). Os olhos do outro brilham, os nossos também, é o amor que acontece. De parte a parte há um acréscimo de energia positiva. Em intensidades diferentes. Às vezes é muito forte, outras vezes menos. E daqui, se se quiser, se de parte a parte houver vontade, o resto se constrói com tempo e dedicação. Cada qual que decida a quem entregar a maior parte do seu escasso tempo de existência material…
Por amor fiz eu por tornar as minhas palavras mais claras e simples a respeito do mais profundo do meu ser, do mais essencial da minha experiência. E ao fazê-lo assim, por amor, de forma insistente e persistente e o melhor que podia, intentando sempre na perfeição, tentando sempre o mais essencial pelo menor número de palavras, acabei a fazê-lo melhor que nunca. Aprendi a conhecer-me a mim própria e aos outros melhor que nunca e assim, suponho, me foi dada esta graça de ver aquilo que antes, ainda que defronte aos meus olhos, nunca pude ver. Foi assim: em resultado de um insistente exercício de amor ao meu semelhante.
A partir daqui já só me apetece amar de perto qualidade humana.
Só (cozinho com amor para, faço as coisas o melhor que posso para, jardino ao gosto de, dedico palavras doces, mimo, penso na pessoa, penso em ajudá-la, em ser-lhe agradável, em compreendê-la, ouvi-la, nas suas necessidades, na sua saúde, em dar-lhe prazer sexual se for o caso, em dar-lhe o tempo de que necessite, fazê-la rir, apreciar o seu amor, ensinar-lhe coisas importantes para ela, partilhar com ela as melhores experiências, fazê-la sentir que para ela existe “todo o tempo do mundo” sempre, etc., etc., etc.) amo qualidade humana. Homo sapiens sapiens que tenham alcançado a proeza de sair do seu casulo de egoísmo. Que tenham ultrapassado a sua fase larvar. Que sejam capazes de ver (qualquer coisa, ao menos). De amar para fora. Quanto mais qualidade humana, mais intensamente (com mais tempo e dedicação) amarei. A partir daqui é critério único.
Só qualidade humana porque estes (atentos, de bom carácter, virados para fora, inteligentes, dedicados, simples, sinceros, generosos, sábios, entendidos em amor,…) também gostam de amar e sabem amar. Há pessoas a quem é um gosto amar. Gosto dessas. São estas a melhor e mais valiosa experiência de todas. Já fui muito mal amada. Muitas vezes. Quase todas. Sei o que é. Justamente, agora aprecio muito ser bem amada. Se não tiver qualidade humana recuso. Em mim o amor é espontâneo. Gosto de amar. Estou sempre pronta a ajudar, a compreender, a tentar agir no sentido do bem estar do outro (mesmo que o não conheça). Em mim é espontâneo. Comigo o amor acontece (com sexo ou sem sexo). E amando aprendo muito. Amar e ser amada faz-me muito feliz. É de tudo o que mais felicidade me dá. E agora, que sou capaz de reconhecer outros “malucos” como eu, a verdadeira qualidade humana, a maior parte do sofrimento está, desde já, ultrapassada. É fantástico!
Este “salto” na capacidade de ver a luz por entre as trevas foi uma dádiva divina. Dos restantes, dos “larvares”… amarei de perto um ou outro que me pareça mais promissor na aprendizagem de amar (para fora)… O que valer a pena (só). O tempo é escasso. Não se deve desperdiçar.
Disse-me alguém um dia: “o que conta é a obra (material)”. Mas discordo. O que conta é a experiência. A obra fica (ou não, ou desmorona-se), a experiência prossegue.
A experiência prossegue além da obra (material), e até, além desta existência corpórea. Quem não ama a sério (como deve ser), não aprende nada de nada que valha a pena. Não aproveita nada de relevante desta experiência de existir nesta forma. Zombies. Quase todos. Zombies cegos com a mania de que são espertos em incessante luta entre si por conta de “tralhas”. É assim que começam e é assim que na maioria dos casos acabam, infelizes e ignorantes e traídos e abandonados e atirados ao lixo pelos outros “larvares”, ao cabo de, por vezes, quase um século de existência inútil (ou por assim dizer inútil). Exércitos de mal amados e de infelizes dedicados à propagação da ignorância, do sofrimento, da imundície e da destruição da beleza. Que tragédia!
Sexo… para mim tanto faz sexo como sopa. Não gosto que me sirvam “uma merda qualquer”. Gosto de qualidade (em tudo). De amor. E qualidade é amor (de qualidade).
… de resto, para quem seja capaz de alcançar daqui, “parar de amar” quem não o mereça é só ir amar para outro lado que assim se estanca o sofrimento. Depois de começar, o amor já não acaba, mas o sofrimento sim, esse é desnecessário. Por mim, acho que atingi a quota. A partir daqui, de sofrimento é só o mínimo. Farei por isso. E amar muito, muito tempo com muita dedicação, só quem valer muito a pena. Só quem tenha muita qualidade. E de resto… a todos.
O amor é assim: horas e horas e horas de sofrimento, anos e anos de esforço, de absoluta entrega, de meditação profunda, de dedicação extrema, de persistência neurótica, para desenhar esta meia dúzia de palavras de amor ao meu semelhante. Nunca desistir de amar.
A única obra que importa é a da qualidade humana. É esta a experiência que prossegue.
E eis a metamorfose, o princípio de umas novas asas, de uma nova capacidade de voar, o começo de uma nova etapa. A experiência prossegue. Ainda não sei que nome darei à nova Libélula. Talvez Salomé.