14 janeiro 2015

a funda são mora na filosofia [VIII]


fotografia retirada DAQUI


o drama, o horror, a tragédia. a pequena Shiloh Jolie-Pitt gosta de se vestir "à rapaz" e - pasmem-se as alminhas - os pais permitem e apoiam a escolha da sua filha.


a filha do mediático casal só é notícia pelo facto de ser... filha do mediático casal. outros casos há de meninas que querem ser meninos e vice-versa que não aparecem nas colunas do DN nem são tópico de discussão em fóruns da internet. 

conheço uma menina, chamemos-lhe Vanessa, que tem quase 9 anos e que me foi apresentada como "a menina que quer ser um menino". anda sempre de calções ou calças e os seus melhores amigos são os outros rapazes com quem joga à bola e brinca. as suas colegas sabem que ela não gosta de usar laçarotes nem coisas cor de rosa. já se apaixonou por uma colega e a turma inteira lidou com isso de forma natural: a Vanessa gostava muito de uma rapariga, mas perceberam que só podem ser amigas. 

crianças de 8, 9 anos a revelar uma maturidade de calibre "jolie-pitt". disponíveis para aceitar, para compreender e lidar com a diferença.

esta notícia sobre a Shiloh e a história de vida da Vanessa fazem-nos questionar várias coisas: 
o que é isso de vestir à rapaz? 
há cortes de cabelo femininos e masculinos?
onde é que termina o feminino e começa o masculino?
como é que podemos agir na educação para que crianças como a Vanessa possam (con)viver a sua diferença, naturalmente?

há dias, estava a ajudar o meu afilhado, Bernardo, de 9 anos a fazer os trabalhos de estudo do meio. eu, que sou gaja que só veste preto e anda de doc martens com biqueira de aço, fui ao meu carro (btw, que é violeta) buscar o kit S.O.S. de professora. fita cola? cor de rosa. canetas de feltro? cor de rosa. "eu não quero essa fita cola, é cor de rosa", dizia-me o Bernardo. "é a única que tenho e precisas dela para terminar o trabalho, Bernardo. qual é o problema?" 

e eu que já estava à espera do discurso "isso é de menina e eu sou rapaz", preparava-me para debitar a cassete do "mas será que só coisas que são só de menino e bla bla" quando oiço da boca do Bernardo uma observação simples e honesta:

"Joana, eu não gosto de cor de rosa".

ainda assim, o Bernardo terminou o trabalho com a tal fita cola. não havia mesmo outra! e eu respeitei o facto dele ser um menino e não gostar de cor de rosa - insistir no contrário é ser tão ditadora como aqueles que acham que a menina Shiloh deveria usar saias e sabrinas - quando ela não gosta de o fazer.