– Putas – diz o meu cunhado, essa besta.
– Outra vez – sussurro eu, a lembrar-me da história do Oliveira e do Picoto.
– Outra vez? – surpreende-se ele.
– Não, não é nada. – Quando um gajo pensa que o cabrão não liga é que ele ouve. – Devem ser outras.
– Outras?! – o homem ficou ainda mais confuso.
– Mas o que é que tu tens andando a fazer?
– Ah! Não é nada disso. – Tenho de acabar a conversa, senão tenho de contar a história toda. – Não é nada comigo.
– Humm...
O meu cunhado, essa besta, não ficou muito convencido mas já estava noutra. Noutras.
– Onde estão? – Pergunto eu, procurando identificá-las.
– Ali – responde ele e acena com a cabeça na direcção de uma mesa à sua esquerda. Não tenta ser discreto. Duas gajas.
– Como é que sabes?
– Conheço-as – responde ele com toda a naturalidade. É assim, um gajo vir ao café com o ex-cunhado, essa besta, é sempre uma surpresa. Não dizem que o conhecimento é poder, pois, o meu cunhado deve ser poderoso. Ele fica sério, muito sério e diz-me: – Já estive com elas. Com as duas.
– Não as cumprimentas? – pergunto eu armado aos cucos.
– Já lhes fiz sinal – diz ele. – Estão acompanhadas. 'Tás a ver aquele gajo ao balcão?
Eu olho e aceno que sim.
– Anda a comê-las – anuncia ele.
Devo ter feito cara de parvo ou qualquer coisa parecida, o que lhe provocou uma gargalhada.
– Não literalmente... – travou a gargalhada. – É pá! 'Tás a ver aquele avião, que entrou agora? Que "ganda" avião.
Eu olho e reconheço o avião, mas hesito em revelar ao meu cunhado a verdade, depois das outras putas, agora dizer-lhe que conheço aquele avião que acabou de entrar, vai-me obrigar a grandes explicações...
– A gaja 'tá a olhar para ti – diz ele, espantado. – 'Tá mesmo. Aquele avião 'tá a olhar para ti.
Sorrio e faço um ligeiro aceno de cabeça para o avião, que também me reconheceu. Os cumprimentos são simples e normais, visivelmente feitos apenas por uma questão de cortesia e educação, mas estas são palavras que o meu cunhado não conhece.
– Porra – o homem está doido. – Vocês conhecem-se! A gaja cumprimentou-te. [Logo] A gaja 'tá caídinha!
O meu cunhado emborca a imperial e fixa-se em mim. Põe o copo vazio na mesa mas esquece-se de o largar. Está a pensar a mil à hora, a dois mil, a três mil... Eu agarro na minha imperial e levo-a lentamente à boca, preciso de uns momentos para pensar, vem aí um interrogatório. Volto a pousar o copo, sem beber, tenho de fazer coincidir a primeira pergunta com o exacto momento em que começar a beber. Tenho de ganhar o máximo de tempo. Todos os segundos são importantes. Ele continua a estudar o avião, esquecido das outras senhoras menos sérias. ("Menos sérias" é uma forma de expressão que eu não as conheço de lado nenhum e não tenho nada que fazer juízos de valor a partir da sua ocupação; se assim fosse, o que poderiam elas dizer de mim?)
– Mas, afinal, conheces as gajas de onde? – Arrisco, pode ser que ele passe à frente.
– Nããã... – ele arrasta o "ã" ainda a processar informção. Uma parte obscura do seu cérebro deve ter pensado "não me enganas" e deu inicio à hostilidades. – Isso dizes-me tu: primeiro, estas putas são outras e a coisa fica por aí; agora entra um avião do caralho que só faltou vir deitar-se debaixo de ti e perguntas-me tu, tu!, de onde é que eu conheço as gajas? Pensas que eu sou tontinho ou quê?
– Quê.
– Quê o quê?
– Penso que és quê.
– Deixa-te de gracinhas e explica-te, mas é.
É agora. Agarro na imperial e encosto o copo ao lábio inferior. Olho para o avião, Augusto qualquer coisa, que me devolve o olhar. Pior. Olho para o pretenso canibal que não sai do balcão, arrependido por ter escolhido as duas putas e não o avião que estava na outra mesa. O canibal também olha para mim, invejoso, parece pensar no que terei eu para o avião me estar ostensivamente a galar. Pior. Olho para as gajas, que trocam segredinhos e risinhos, pareço ser o objecto de ambos, reparam que eu estou a olhar para elas e sorriem-me, sorrisos atrevidos e insinuantes. Pior. Acabo por olhar para o meu cunhado, que parece ter percebido tudo o que descrevi, está confuso e furiosamente ignorante. Quer respostas. Respostas. Já.
– A gaja 'tá-te a comer. Literalmente.
– Parece – concordo.
– Parece?! – O meu impávido assentimento irrita-o. – Foda-se! Ou te explicas ou... – o avião voltou a sorrir-me e ele engasga-se em seco, tosse e só agora larga o copo. Faz sinal para pedir outra imperial.
– Não peças mais nada.
– Ele baixa o braço e olha-me. À espera, a pedir, a implorar explicações.
– Vamos embora, que eu depois explico-te.
– ‘Tás a brincar – balbucia. – Sozinhos?
– Sim, eu depois explico-te.
Garfanho in Garfiar, só me apetece
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