27 julho 2005

Garfiar, só me apetece - 118

Bigmouth Strikes Again

23.45. O telemóvel toca e vibra: Chico. "O meu ex-cunhado, essa besta." Atendo.

-'Tá Pereira?
- Sim.
- É pá tens de me fazer um favor - ele não fala, metralha as palavras, não há vírgulas, nem pontos finais.
- Boa noite - respondo eu, só para o irritar.
- Só se for para ti foda-se
- Que favor?
- Diz que era para ti a gaja queria falar contigo e tu deste o meu número para a despachar pedes desculpa mas foi só o número que te lembraste és uma besta é o desespero ficaste à rasca é brasileira
- Eu?!
- Sim tu
E desligou.

23.48. O telemóvel toca e vibra: Ana. "A minha ex-cunhada, essa vítima(?)" Atendo.

- Está, Pereira? Estás bom?
- Ana? Há muito tempo...
- Sim e desculpa lá estar a ligar-te a esta hora...
- Não faz mal. Passa-se alguma coisa?
- É o Chico.
"Não é sempre?"
- Então, aconteceu-lhe alguma coisa? - pergunto.
- Não... - ela cala-se um momento e reformula a frase: - Ainda não - volta a calar-se e recomeça, irritada. - Ouve lá, tu conheces alguma Mirene?
- Mirene?
- Sim, conheces?
- Porquê? - tento dar credibilidade à coisa. Já estou arrependido de dar, mais uma vez, cobertura à bestinha mas se não o fizesse ainda ficava pior.
- Conheces ou não?
- Conheço, mas porquê?
- É venezuelana?
Hesito, as venezuelanas são um espectáculo, não desfazendo nas brasileiras. Acho que preferia que a Mirene fosse venezuelana, era mais exótico.
- Venezuelana? Não sei... Acho que era brasileira. Se é venezuelana não tinha sotaque. Acho que é brasileira.
- Tu deste-lhe o número do Francisco? - Ela gostou da primeira resposta, está mais calma. O Francisco está safo e eu, mais uma vez, não só minto como passo por tarado e totó.
- Mas porquê? - Já agora quero saber a história.
- Porquê?! - A irritação agora já é comigo. - Porque a tua amiga Mirene ligou-te...
- A Mirene ligou-me?
- Ligou-te.
- Queria falar comigo?
- Queria, disse que estava com saudades do "quêridinho."
- Estava?
- Tu deste-lhe o número do telemóvel do Francisco? - insiste ela.
- Ó Ana - hesito - um gajo entusiasma-se... Sabes como é...
- Não, não sei.
- É pá, olha, foi para me safar - "cabrão da besta, só ele para me meter nisto." - Ela é muito simpática, sabes? É persuasiva... - ouvi um ligeiro mas concordante "hmmm." "Ah queres?" - Olha, desculpa falar assim, mas ela é um docinho e não lhe conseguia dizer não a nada. Tive medo, fiquei à rasca e só me lembrei do número do Francisco... Mas ela ligou-me? Disse o quê?
- Olha, disse - e imitou o sotaque e o tom de voz sensual da Mirene. A tragédia passou a farsa. - "Alô, queria falar com o "quêridinho." - Volta o português de Portugal. - E eu perguntei-lhe "Que queridinho?" e ela "O Zézinho."
- Mas eu não sou Zézinho. - disse eu.
- Isso sei eu - responde a Ana secamente - e agora, ela também.
- Mas como soubeste que era eu?
- Porque ela andou ali no Zézinho, Zézinho para a esquerda, Zézinho para a direita e, após muita insistência, lembrei-me de ti e disse se ela nunca ouvira o nome Pereira.
- E ela?
- Pereirinha. Disse que tu uma vez tinhas dito que te chamavas José Pereira e que ela até te chamou Pereirinha mas que agora te chamava sempre Zézinho.
- Ela disse Pereirinha?
- Disse, Pereirinha, disse Pereirinha.
- E depois?
- Ah! Quando soubemos que eras tu, eu disse-lhe que o Pereirinha não estava e ela ficou muito desapontada, suspirou, deve ter feito beicinho e disse "O Zézinho não está?"
- E tu?
- Eu perguntei-lhe se era mesmo com o Zé Pereirinha que ela queria falar porque o telemóvel não era do Pereirinha...
- E ela?
- Ela ficou mais desapontada ainda, Pereirinha. - O "Pereirinha" tinha bico afiado e gume comprido. - Coitada da moça, ela queria falar contigo.
- Comigo? - deixei escapar.
- Não te faças esquisito, Pereirinha. - Mais uma facada. - A tua mãe no outro dia disse-me que tinhas uma brasileira lá em casa.
- Então e a Mirene disse mais alguma coisa?
- Perguntou se eu tinha o teu número e eu dei-lhe - mais um tiro: mais um submarino ao fundo. - Ah! E ainda lhe disse que tu tens cara de bom rapaz mas que és um grande malandro, para ela se pôr a pau contigo e ter muito cuidado.
- Olha... - "um gajo tem de gramar cada uma." - Obrigadinho, ó Ana.
- Desculpa mas foi o que me saiu.
- Tudo bem... O Francisco 'tá aí ao pé?
- 'Tá, vou passar. Até amanhã - ela riu-se. - Adeus, ó Pereirinha.

Garfanho

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