06 novembro 2005
A carta
Escrevi-te uma carta com selo e tudo daquelas escritas em papel e com caneta no tempo em que as cartas eram cartas e íamos aos correios e perguntávamos, quanto custa o selo? e colávamos o selo e punha-se a carta no marco do correio como aquele da música antiga cantada não sei por quem e que a minha mãe cantava no tempo em que a minha mãe cantava. E mandei-te a carta com selo e tudo.
Todos os dias faça chuva ou faça sol tenho esperado à janela a chegada do carteiro e perguntado, senhor carteiro traz alguma carta para mim? e o carteiro entrega-me cartas que não são cartas mas contas de luz, água e contos, histórias de outros que não a tua e me dizem como vai a vida, que os filhos cresceram, que tudo mudou, que o tempo passa e das saudades. Mas a tua carta nunca chegou.
Escrevi-te a carta com selo e tudo sentada naquele banco de jardim onde nos costumávamos sentar a ler o horóscopo na revista que já não existe assim como a papelaria do senhor João que é hoje uma farmácia e eu encostava a cabeça no teu ombro e ríamos e agarravas o meu queixo e davas-me um beijo na boca e uma vez a dona Virgínia viu e foi dizer à minha mãe que a filha fazia figuras indecentes na rua e fiquei uma semana de castigo e não te via e tu mandavas-me às escondidas recados escritos em papéis pequeninos que a Paula me entregava sem a minha mãe ver e os papelinhos eram cartas.
Mas a tua carta nunca chegou.
Escrevi-te a carta com selo e tudo a 5 de Novembro de 1985 acho que já não vais responder.
Foto: Ewa Brzozowska
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Uma por dia tira a azia