22 novembro 2005

O Café do Charlie - por LolaViola

O conto Café, do Charlie, fez sucesso e originou várias propostas de finais possíveis.
A
LolaViola propõe-nos mais este:

A noite fora longa e fria. Nem os cobertores tirados do roupeiro antigo de mogno, tristemente encostado ao espelho que já não reflectia o brilho das manhãs de outrora, lhe aqueceram a alma e o corpo.
A manhã tornara-se a obrigação rotineira de sair de dentro de si, da sua casa, do seu silêncio.
A rua era o prolongamento dos seus dias. Uma fina camada de gelo cobria de branco a cidade, tornando os seus olhos ainda mais claros e vazios de cinzento azulado.
Escondendo o seu frágil corpo ainda jovem e ainda e sempre virgem de sonhos de paixões inventadas, no eterno casaco de fazenda, com que cobria os desejos por descobrir, aventurou-se na aventura do dia.
Frio. E ela desejava tanto a decomposição deste branco de gelo nas cores que nunca tinha visto, mas que sabia existirem todas no arco-íris sobre o qual já adivinhara notícias.
Sabia que teria de andar um pouco mais até chegar à estação de metro que todos os dias a engolia no seu poder feito de cimento, de ruído de máquinas assustadoras e de esculturas do mestre Cutileiro que lhe povoavam os sonhos.
Sabia que seria devorada uma vez mais pela multidão anónima das suas manhãs de todos os dias.
Sabia que o seu dia seria igual a tantos outros, apenas povoado pelo cheiro a café que dominava os seus sentidos e o seu corpo debaixo do avental branco que lhe tapava o desejo.
Talvez hoje o seu cliente especial aparecesse no café. Talvez lhe pedisse um café e ela perguntaria como sempre, com açúcar, e ele diria que sim, com açúcar e ela desejaria gritar-lhe que os dias avançam, que os relógios não param, que o seu corpo definhava todas as noites debaixo dos lençóis, que acordava em susto imaginando um corpo macio de homem junto do seu.
Talvez hoje tivesse coragem. Talvez esta noite se ouvisse por toda a cidade o diálogo que trazia na cabeça, na alma, na pele, nas coxas, trémulas de frio, de solidão.
- Sabes o que é a sedução?
- Sei de ti.
- Sabes como me seduziste?
- Sei de mim. Encontrei-te e apenas me procurava a mim.
- Eu procurava a magia e encontrei um homem. Estás aí?

(Estou. Estou contigo e comigo enquanto sentirmos o aroma de uma chávena de café em sorrisos. Estou contigo e comigo nas noites em que as tuas lágrimas ensoparem o meu sofá. Estarei contigo depois de conhecer cada centímetro da tua pele, depois de te abraçar, depois de te fazer gemer de prazer, depois de eu morrer no teu sexo para renascer no teu olhar)

LolaViola

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