14 dezembro 2005

a chuva

– Era para ti!
– Era para mim, o quê?
– A gaja estava a olhar para ti.
– Para mim?!
– Sim, para ti, estava a olhar para ti. E sorriu. Não viste?
– Vi, mas não me pareceu que fosse para mim.
– Era, caralho, era para ti.
– Achas?
– Tenho a certeza!... Sorri-lhe, sorri-lhe já, não deixes passar o momento.
– Não me apetece.
– Não te apetece?! Não te apetece!? Mas quem é que está a falar em apetecimentos? Ouviste-me perguntar se te apetecia sorrir?
– Não, mas...
– Era uma pergunta retórica...
– Era?
– Era. Não queria resposta nenhuma. Sorri, pá, sorri já!
– Assim?
– Não é para mim, foda-se, é para a gaja... Não gozes, foda-se.
...
– Estás contente?
– Ela sorriu, pá, ela voltou a sorrir! Viste? Viste?
– Vi, mas quem te ouvir falar, até parece que ela sorriu para ti... Não achas que estás muito entusiasmado?
– Qual entusiasmo, qual carapuça... Levanta mas é o copo e faz sinal se podemos ir ter com ela.
– Podemos? Se podemos? Quem os dois?
– Claro, eu não fico aqui sozinho.
– A gaja está a sorrir para mim, ou já te esqueceste?
– Foda-se que és complicado! A gaja não está acompanhada? Não estás a ver uma amiga?
– Onde?
– És muita totó! Foda-se, podias andar nisto cem anos que a conversa era sempre a mesma...
– Eu não quero andar nisto cem anos.
– Nunca vês nada, caralho. As gajas metem-se contigo... ainda hoje estou para saber porquê... e tu, pareces um burro a olhar para um palácio, um boi com uma cana de pesca.
– Um boi com uma cana de pesca?
– Não pescas nada, foda-se! Não te apercebes de nada! Não vês nada!
– É do barulho das luzes...
– Qual barulho das luzes... Deixa-te é de merdas e faz sinal à gaja.
– Qual gaja?
– A gaja, caralho!... Ei... onde é que está a gaja, caralho?... Não posso crer... Foda-se, deixaste-a ir embora...
...
– Foda-se... tu viste bem a amiga, caralho?! Era melhor que ela. E tu, banana do caralho, deixaste-a fugir... eu podia comer a amiga, caralho... isto era um caldinho... e tu... tu deixaste-a fugir. Vai-ta foder!... Tenho de ir beber qualquer coisa, pá, qualquer coisa violenta. Isto foi demais... Demais...
– E se eu te disser que a gaja foi ter com a amiga e estavam a falar de nós, o caso muda de figura?
– Se muda?! Se muda de figura!?
– Sim, muda?
– ‘Tás a brincar ou quê?! Nem há caso, pá! Nem há caso... Até te dava um beijo na testa.
– Porra, escolhe outro!
– Mas, foi? Foi?! A gaja foi falar de nós à amiga? Foi?!
– Não, que eu visse não.
– Hã?!... Ainda estás a gozar... Isto ao menos...
– Olha!
– O quê?
– A amiga.
– Ah! É belíssima! Eu bem te disse... é um docinho.
– Avança!
– Avanço o quê?
– Vai falar com ela. Ela vai para o bar, aproveita.
– Aproveito o quê?
– Porra!... É preciso fazer-te um desenho?
– Vai-te lixar!
– Mas não vais lá?
– Tu deixaste fugir a outra, agora queres que eu me safe com esta. Achas?!
– O que é que uma coisa tem a ver com outra?
– Tem que, daqui a bocado a gaja vai dizer à amiga para vir para o pé de nós, ela vê-te e... bau-bau!
– Bau-bau?
– Sim, bau-bau, se tu não lhe deste assistência, achas que a gaja depois vem comer-te nas palminhas?... Deves achar-te o Brad Pitt.
– Mas por essa altura, tu com a tua sapiência, discernimento e especiais conhecimentos dos gostos, desejos e sentimentos femininos já deste a volta àquela, que não te vai querer largar.
–Vai-ta foder!
– Olha.
– O que é aquilo?
– Um gajo. Um gajo que avançou, que arriscou e, pelos vistos, parece que tem o bilhete premiado...
– E vai comê-lo...
– E tu, népias!
– Olha... Olha que tu também podes falar. Deves ir comer uma grande coisa!
– Mas eu não ando à procura...
– Vai-ta foder mais as tuas teorias... Deixa-te de merdas!... Andamos todos, caralho. Andamos todos ao mesmo! Vamos mas é beber pinga!
– E chorar os momentos que não passámos.
– Foda-se, chora tu, que eu ainda espero passar.
– Passar o quê?
– Olha, nem que seja a ponte a pé.
– Vamos nessa...
– Vanessa...
– Como foste nessa...
– Não cantes isso.
– Porquê?
– Estragas!
– Estragado estás tu.
– Foda-se, tanta conversa. A gente veio aqui para ver gajas, beber pinga ou discutir o sexo dos anjos?
– Os anjos têm sexo!? É?! Qual é a tua opinião?
– Vai-te lixar!
– Vai tu.
– Quando chegar a casa, vai ter de ser, podes crer!
– O quê?
– Até deitar fumo!
– O quê?
– Quando chegar a casa, vou bater um punhetão qu’arrebento o bidé!
– O bidé? Tu usas o bidé?
– Às vezes, qual é o problema?
– Nenhum, cá por mim até podes mandar para os azulejos da casa de banho.
– Já tem calhado.
– Foda-se, estava só a brincar.
– Olha! A tua amiga.
– Tu já estás safo, não é?
– Safo do quê?
– Tens o bidé!... Já venho.
...

de Garfiar, só me apetece

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