04 novembro 2006

A minha voz em fuga


Primeiro, pensei dar uso à minha voz numa daquelas linhas telefónicas para excitar gente pelos ouvidos, com muitas vogais soletradas arrastadamente como se assim a humidade escorresse pelos fios e ainda ganhava uns trocos. O canudo é que estamos todos viciados em imagens e já não vale a pena vestir as roupinhas interiores das nossas avós que agora, com mais cores, vestimo-las de traje de dia.

De modo que peguei nas mágoas e tratos de polé que os gajos deixam em nós, pelo menos quando não os usamos apenas para sacudir o pó dos dias e desgaste das calorias acumuladas e passei a praticar stand-up comedy com elas.

Adquiri o gosto da voz cénica de mil e uma personagens feita da argamassa daquelas desilusões cómicas quotidianas de encontrarmos uma pilinha pequenina a pestanejar para obter a nossa atenção ou de depararmos com um pujante pilão acompanhado de uma boca tão desbragada que nem um rolo inteiro de fita adesiva parece ser solução. Ou então aquelas bocas que nos dizem que não há mulheres frígidas mas cuja língua apenas se orienta como esfregona doméstica e mesmo assim, sem conhecer bem os cantos à casa.

A minha voz conseguiu cantar, entoando um karaoke de diversos estilos e posturas e assistiu a aplausos da assistência, com uma ou ambas as mãos, consoante o local em que o meu trimbre foi mais sentido. E assim ganhei uma fonte de prazer na minha voz em fuga.

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