01 novembro 2006

Velhinha - por Bartolomeu

"Não fiquem as más consciências presas ao clichê do que é novo é que é bom...
Uma velhinha pode ter tanto de peles como de sabedoria e o charme não tem de estar na proporção da quantidade de dentes. Quero dizer que uma velhinha pode, em matéria de experiência, ser uma mais valia muito importante.
Perguntam vocês: «falas com conhecimento de causa?»
Evidentemente que sim. Posso dizer-lhes que vivi 2 anos com uma senhora cujos filhos tinham idade para serem meus pais. Conheci-a casualmente num café. Conversámos do trivial, mas de uma forma muito viva, empolgante mesmo, facto que originou o nascimento de uma grande simpatia pela senhora. No dia seguinte, senti vontade de voltar à mesma pastelaria, impelido por uma pontinha de interesse em voltar a vê-la, mas nesse dia ela não apareceu. Quando regressei ao escritório, pensei comigo mesmo que estava a ceder a sentimentos mórbidos.
No dia seguinte, quando voltei ao café, ainda deitei um olhar geral pelas mesas na esperança de a voltar a ver, mas não estava. Nesse dia decidi que não voltaria a pensar na senhora.
Aquela pastelaria era a que frequentava mais assiduamente, por se encontrar muito perto do meu escritório. Por isso, uns dias depois, entrando descontraidamente com 2 colegas, sinto o meu olhar ser atraído para uma mesa. Nela encontrava-se a senhora que eu julgava ter retirado do meu pensamento. Como que autonomamente, dirigi-me para ela. Vestia uma saia e casaco clássico, elegante, pele bem cuidada, maquilhagem discreta, cabelos cinza-naturais e uma postura de dama. Estendeu-me a mão, num gesto afável e convidou-me a sentar. Balbuciei algo do género «não a tenho visto por cá», o que denunciou o meu interesse por revê-la. Respondeu-me com um sorriso: «viajei, regressei ontem».
Os meus olhos, aprisionados pelos seus, vivos e meigos, disseram-lhe mais que a minha boca. Infantilmente repeti «pois, todos os dias aqui venho e não a tenho visto». Voltou a sorrir com doçura e num tom muito afectivo disse-me: «podemos almoçar juntos?» O meu coração disparou num ritmo alucinante, o embargo não me deixou proferir um único som. Então ela, levantando-se disse-me: «às 12h30 estarei com o meu carro à porta do seu escritório. Até logo». Fiquei como que hipnotizado, durante vários minutos, sentado naquela mesa. Até que os meus colegas me vieram tirar daquele estado de hipnotismo: «Então? Hoje não se faz nada?»...

Bartolomeu"

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Uma por dia tira a azia