Depois a Raquel chegou, sentou-se ao meu lado, e perguntou-me se eu estava bem.
Hoje, quando peguei no jornal do café para ler as gordas enquanto esperava pela torrada seca e pelo galão directo do costume, subi-o mais um pouco do que o habitual de forma a que ele me tapasse a cara. Mesmo assim quase todos me perguntaram se eu estava bem. A dona do estabelecimento que passa mais tempo na caixa a contar o dinheiro do que a atender os clientes, a empregada que passa o dia a varrer o estabelecimento com os próprios pés, o homem que vende cautelas da lotaria, a mulher que tem um cabeleireiro mesmo ao lado e vem sempre tomar café de bata vestida.
Não gosto que me perguntem se estou bem quando não estou. Ainda fico pior. A pergunta "estás bem?" só devia surgir quando o inquirido se sente de facto bem, caso contrário fá-lo ter uma noção mais intensa do seu próprio mal-estar. O "sim" não sai por ser mentiroso, o "não" não sai por ser inesperado e doloroso. Abanei os ombros a todos com um mastigado "hum hum".
A torrada lá veio, não tão seca quanto o desejado, e o galão também, não tão quente quanto o desejado. Nunca vem nada como o desejado quando o próprio dia não está a ser o que desejámos. Dobrei o jornal em dois, como se fosse possível fechar ali para sempre as más notícias sobre violência e sobre a crise económica, e dei a primeira dentada numa das tiras de pão protestando com a empregada pelo excesso de manteiga derretida.
Depois a Raquel chegou, sentou-se ao meu lado, e perguntou-me se eu estava bem. E eu respondi que sim, até porque já estava.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
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