’Stava Vénus gentil junto da fonte
Fazendo o seu pentelho,
Com todo o jeito, p’ra que não ferisse
Das cricas o aparelho.
Tinha que dar o cu naquela noite
Ao grande pai Anquises,
O qual, com ela, se não mente a fama,
Passou dias felizes...
Rapava bem o cu, pois resolvia
Na mente altas ideias:
– Ia gerar naquela heróica foda
O grande e pio Eneias.
Mas a navalha tinha o fio rombo,
E a deusa, que gemia,
Arrancava os pentelhos e, peidando,
Caretas mil fazia!
Nesse entretanto a ninfa Galateia,
Acaso ali passava,
E vendo a deusa assim tão agachada,
Julgou que ela cagava...
Essa ninfa travessa e petulante
Era de génio mau,
e por pregar um susto à mãe do Amor
Atira-lhe um calhau...
Vénus se assusta. A branca mão mimosa
Se agita alvoroçada,
E no cono lhe prega (oh! caso horrendo!)
Tremenda navalhada.
Da nacarada cona, em subtil fio,
Corre purpúrea veia,
E nobre sangue do divino cono
as águas purpureia...
(É fama que quem bebe dessas águas
Jamais perde a tesão
E é capaz de foder noites e dias,
Até no cu de um cão!)
– “Ora porra” – gritou a deusa irada,
E nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
Uma risada solta.
A travessa menina mal pensava
Que, com tal brincadeira,
Ia ferir a mais mimosa parte
Da deusa regateira...
– “Estou perdida!” – trémula murmura
A pobre Galateia,
vendo o sangue correr do róseo cono
Da poderosa deia...
Mas era tarde! A Cípria, furibunda,
Por um momento a encara,
E, após instantes, com severo acento,
Nesse clamor dispara:
“Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
Que crime cometeste!
Que castigo há no céu, que punir possa
Um crime como este?!
Assim, por mais de um mês inutilizas
O vaso das delícias...
E em que hei de gastar das longas noites
As horas tão propícias?
Ai! Um mês sem foder! Que atroz suplício...
Em mísero abandono,
Que é que há de fazer, por tanto tempo,
Este faminto cono?...
Ó Adónis! Ó Júpiter potentes!
E tu, Mavorte invito!
E tu, Aquiles! Acudi de pronto
Da minha dor ao grito!
Este vaso gentil que eu tencionava
Tornar bem fresco e limpo
Para recreio e divinal regalo
Dos deuses do Alto Olimpo.
Vêde seu triste estado, ó! Que esta vida
Em sangue já se esvai-me!
Ó Zeus, se desejais ter foda certa
Vingai-vos e vingai-me!
Ó ninfa, o cono teu sempre atormente
Perpétuas comichões,
E não aches jamais quem nele queira
Vazar os seus colhões...
Em negra podridão imundos vermes
Roam-te sempre a crica
E à vista dela sinta-se banzeira
A mais valente pica!
De eterno esquentamento flagelada,
Verta fétidos jorros,
Que causem tédio e nojo a todo mundo,
Até mesmo aos cachorros!”
Ouviu-lhe estas palavras piedosas
Do Olimpo o Grão Tonante,
Que em pívia ao sacana do Cupido
Comia nesse instante...
Comovido no íntimo do peito,
Das lástimas que ouviu,
manda ao menino que, de pronto, acuda
À puta que o pariu...
Ei-lo que, pronto, tange o veloz carro
De concha alabastrina,
Que quatro aladas porras vão tirando
Na esfera cristalina.
Cupido que as conhece e as rédeas bate
Da rápida quadriga,
Co’a voz ora as alenta, ora co’a ponta
Das setas as fustiga.
Já desce aos bosques, onde a mãe, aflita,
Em mísera agonia,
Com seu sangue divino o verde musgo
De púrpura tingia...
No carro a toma e num momento chega
À olímpica morada,
Onde a turba dos deuses, reunida,
A espera consternada!
Já Mercúrio de emplastros se a aparelha
Para a venérea chaga,
Feliz porque naquele curativo
Espera certa a paga...
Vulcano, vendo o estado da consorte,
Mil pragas vomitou...
Marte arranca um suspiro que as abóbadas
Celestes abalou...
Sorriu o furto a ciumenta Juno,
Lembrando o antigo pleito,
E Palas, orgulhosa lá consigo,
Resmoneou: – “Bem-feito!”
Coube a Apolo lavar dos roxos lábios
O sangue que escorria,
E de tesão terrível assaltado,
Conter-se mal podia!
Mas, enquanto se faz o curativo,
Em seus divinos braços,
Jove sustém a filha, acalentando-a
Com beijos e com abraços.
Depois, subindo ao trono luminoso,
Com carrancudo aspeto,
E erguendo a voz troante, fundamenta
E lavra este DECRETO:
– “Suspende, ó filha, os lamentos justos
Por tão atroz delito,
Que no tremendo Livro do Destino
De há muito estava escrito.
Desse ultraje feroz será vingado
O teu divino cono,
E as imprecações que fulminaste
Agora sanciono.
Mas, inda é pouco: – a todas as mulheres
Estenda-se o castigo
para expiar-te o crime que esta infame
Ousou para contigo...
Para punir tão bárbaro atentado,
Toda humana crica,
De hoje em diante, lá de tempo em tempo,
Escorra sangue em bica...
E por memória eterna chore sempre
O cono da mulher,
Com lágrimas de sangue, o caso infando,
Enquanto mundo houver...”
Amém! Amém! com voz atroadora
Os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
Amém! Amém! sussurram.
Bernardo Guimarães (1825-1884)
Thomas Karsten - A concha de Vénus
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