Às vezes, alguns períodos da nossa vida que nos souberam particularmente bem tendem a dissipar-se com o tempo, de tal forma que deixamos de ter a certeza se os vivemos ou sonhámos. É o que acontece com as recordações de algumas paixões efémeras uns anos depois, quando entramos numa fase mais estéril de emoções.
A Sara gostava de se deitar no imenso tapete relvado que se estendia naquela zona da cidade de Lisboa, e de encontrar um ângulo em que não avistasse nenhum dos prédios silenciosos que o povoavam.
- Só o céu! - dizia ela.
Eu deitava-me devagar ao lado dela e ficava a olhar para as árvores com a plena consciência que os nossos mundos próximos se separavam ali, naquele nosso silêncio sepulcral acompanhado duma espécie de dor de parto, enquanto os meus dedos duma das mãos tocavam nos dedos dela como se tocassem piano uns nos outros.
Era tão estranho quanto agradável, saber que nunca nos apaixonaríamos um pelo outro mas que tínhamos disponibilizado um mês inteiro do Verão para estarmos juntos. Acordávamos com um beijo, eu fazia sempre o almoço e ela sempre o jantar, entre passeios em espiral pela cidade cujos lábios tocam o Tejo. Éramos um casal, sem o ser de facto.
Ao fim da tarde deitávamo-nos ali e fugíamos por momentos um do outro, creio eu que para regressar às nossas vidas anteriores, cada um com o seu Amor, e também ao futuro, cada um sabe-se lá com quem. De vez em quando ela perguntava-me se eu não queria tentar enquadrar só o céu, como ela fazia, para sentir que estava a planar e a distanciar-me da Terra.
- Só as árvores! - dizia eu.
As árvores, melhor do que ninguém, sabiam como eu me sentia naqueles dias, e talvez por isso ficassem ali a olhar para mim como um médico que ausculta um doente. Diziam-me para ter calma e depois deixavam o vento segredar-lhes uma dança improvisada entre as folhas. Da mesma forma que os meus dedos tocavam nos da Sara, os seus ramos tocavam uns nos outros.
Hoje passei a manhã a lembrar-me desta fase da minha vida sem, no entanto, ter a certeza que aconteceu.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»