É fácil rotular o cuidado (que se tem por excessivo) que algumas pessoas dedicam à sua aparência. Basta considerar coisas como o botox, o silicone ou o branqueamento anal.
É fácil porque é excessivo. Porém, é impossível traçar uma linha a partir da qual já podemos catalogar um excesso, salvo raras excepções, sobretudo num domínio em que cada um/a sabe de si e todos têm o direito a não levar com considerações de terceiros acerca de opções tão pessoais.
Claro que isto é muito claro na teoria. Na prática, apontamos o dedo a quem acrescenta as mamas enquanto reparamos que está na altura de cortar as unhas.
Onde quero eu chegar com isto? As tais linhas que todos gostamos de traçar relativamente às escolhas dos outros são imaginárias e subjectivas (quase mitológicas, portanto) e nunca coincidem com as das pessoas visadas.
Definimos os nossos próprios limites mas isso não nos impede de os alterar ao longo do caminho, nem que pelo efeito tramado da passagem do tempo no nosso visual.
Alguns dos que se chocam com o excesso de maquilhagem de outrem pintam o cabelo de outra cor que não a sua, deitando às urtigas o tal conceito do artificial que, bem vistas as coisas, veste os dois exemplos em causa ainda que com diferentes (e hipotéticas) gradações.
É o tal piso escorregadio dos limites e das avaliações quantitativas, nos outros como em nós. Às tantas, mesmo os que se afirmam alheios a essas coisas da aparência acabam um dia confrontados com a realidade da sua. E lá vão por água abaixo os argumentos “para fora”, na reacção hostil à verdade que qualquer espelho insiste reflectir.
A aparência, que não conta para ninguém, é lixada quando constitui uma clara desvantagem na interacção com os tais outros que também afirmam não ligar coisa alguma e depois a pessoa cai do céu quando percebe que falar é fácil e que toda a gente vai concentrar a atenção na borbulha feia por cima do nariz.
Para felizes contemplados com um visual agradável de origem o problema pode assumir proporções mais sérias, pela novidade da perda de confiança em si mesmos, o abanão num dado adquirido tão fácil de tombar pelo efeito da perda de um dente frontal ou de largas porções de cabelo. Ou das primeiras rugas. Ou de outra coisa qualquer que se imponha como um handicap potencial e seja demasiado óbvia para dissimular.
É nessa altura que a aparência passa de figurante a protagonista e o filme é quase de terror.
Tudo é muito relativo e de estanque já nem se safam as verdades ditas universais como, por exemplo, a que dizia que as pessoas e os livros não se julgam pela capa.
Nas bibliotecas como no resto da vida, são instintivamente escolhidos os mais apelativos, os mais perfeitos, os mais bonitos, os mais jovens e depois do que a vista selecciona, só depois, podem eventualmente impor-se outros detalhes a que chamamos “as coisas importantes” ou assim.
E o resto, perdoem-me a franqueza, não passa de mais um politicamente correcto folclore das boas intenções.