Time Out Lisboa - 05 de Fevereiro de 2014 |
It takes two to tango, costuma dizer-se. e nunca ninguém especificou se esses dois têm que ser homem e mulher, pois não? Mas a sociedade - essa amálgama irreconhecível de pessoas humanas e não humanas - lá convencionou que é homem com mulher; numas danças, podem dançar junto, noutras nem por isso. e normalmente é o homem quem conduz.
Isto é coisa para fazer com que as mais feministas das feministas (aquelas que quase usam bigode, vá) se insurjam, porque a mulher não pode simplesmente ser "comandada" pelo homem. e ouvir, nas aulas, coisas como
«se o homem não der o comando, a senhora não faz nada»
«senhoras, só têm que obedecer ao comando»
«o homem é que manda»
Por esse motivo - e talvez por tantos outros - nasceu uma nova corrente de dança, designada de queer. Quanto a mim, a coisa só começa mal pelo nome em si. Kizomba Queer, Tango Queer - quando no fundo o que se faz aqui - mais do que promover as danças entre "os homens sexuais e as mulheres sexuais" [desculpem, mas ouvi uma senhora de idade a referir-se assim aos gays e achei delicioso - sobretudo porque a senhora defendia com unhas e dentes a possibilidade da co-adopção entre casais do mesmo sexo e afins]; mas dizia eu, mais do que promover as danças entre gays, promove a abolição do estatuto convencional do homem e da mulher, na dança. E isto, diria Thomas Kuhn [não se esqueçam que estas crónicas (também) são filosóficas] é uma mudança de paradigma relevante.
O homem já não tem que suportar a tarefa de comandar a dança, imaginar os passos, decorar a coreografia, também poderá ser conduzido e deixar-se levar. E a mulher pode praticar o inverso.
Além disso, praticamos imenso a lateralidade e a coordenação motora. JURO. Palavra de quem anda a aprender a dançar kizomba [hey, nada de piadas que envolvam tarraxinha filosófica]!
Sim, senhoras e senhores, sabem aqueles «blá blá blá» sobre o hemisfério direito e o esquerdo? De como se devem treinar um e outro? Estas coisas podem ser levadas a sério e a fundo [a funda!] através da prática da dança, por exemplo.
Um dia chegamos lá. Se ainda há dias encontrei um rapaz, bem giro, a dançar na discoteca, de cadeira de rodas... reparem, se ele consegue dançar, também as pessoas (humanas e sem cadeiras de rodas) poderão aceitar esta inversão de papéis, sem preconceitos. Quanto a mim, era só mudar o nome da coisa - para evitar que se pense que este tango é só para gays. Nós, os hétero, também temos direito, 'tá!!!