"Não faças caso, cá na família somos todos muito esquisitos."
A história acaba com o estore a fechar-se com estrondo. Mas, atenção, não é uma história, parece, mas não é, é verdadeira. É história com h. O estore também verdadeiro, note-se, não tem h, nem nenhum dos protagonistas, que podemos nomear como Eitor Picoto e Erlander Borrego. O Borrego fechou o hestore no fim da estória, o Picoto ouviu o estrondo, mas não vacilou, de costas na parede e calças para baixo, deixou-se ficar. Com sede, mas deixou-se ficar. Sem barulho, nem reclamações. Na verdade, Erlander Borrego não ouviu o estrondo do estore, ouviu, muito ao longe, um barulho qualquer que não soube identificar, pois, quando o cérebro o processou, com as sinapses encharcadas em álcool e outras bebidas, já há muito haviam desaparecido quaisquer referências a estores, a copos de água e a putas que faziam broches em logradouros de prédios com apartamentos de rés-do-chão com janelas com vista para o logradouro. Nessa tempo, do estrondo e tal, estava Erlander Borrego para perceber porque tinha as calças em baixo, porque estava encostado à parede e porque se encontrava a dois metros da vegetação onde, se quisesse, mas não se lembrava de querer, podia ter vindo urinar. Fechado o estore, Eitor Picoto arrependeu-se de não ter dado o copo de água ao amigo, justificando-se com o olhar ajoelhado da puta, espantada pela estranheza da situação. Eitor Picoto ainda ouviu a puta reclamar e acusar Erlander Borrego de nunca mais se vir, de estar bêbado como um caixo e de não estar a ligar nenhuma ao broche que ela, com denodo e empenho, lhe efectuava. Eitor Borrego sentiu um caixo a boiar na pinga e, em sintonia mental com Erlander Picoto, ficou obcecado com a certeza de que o termo efectuar tinha sido mal empregue, "um broche faz-se, não se efectua" (talvez pudessem pensar os dois, se se lembrassem como isso se fazia), e mais obcecados ficaram com a certeza de que a puta não sabia escrever cacho, ainda que, nem um nem outro, conhecessem a acuidade ortográfica da puta. O brochado porque, naquele momento, não se lembrava que tinha de falar para ser ouvido; no seu estado de consciência superior acreditava nas possibilidades da telepatia e apenas estranhou que a puta se fosse embora sem acabar o serviço (enquanto tentava puxar as calças para cima, concluiu satisfeito que se a puta nem sabia escrever cacho, muito menos teria acesso às vantagens competitivas da telepatia). O vizinho das putas e do logradouro sorriu com o caixo, pensou nas limitações da instrução da puta e, voltou a sorrir, quando no meio desta história, ainda fez a distinção entre educação e instrução. A puta podia não ser instruída mas ser educada, porque, sabia-o Picoto Borrego, a instrução não dá educação. "Há doutores que são umas bestas e há umas bestas que são doutores" enleou-se neste pensamento e foi-se deitar esquecido do copo de água que Borrego Picoto lhe pedira e que ele, Erlander Eitor, não lhe facultara. Aliás, a bem da justiça, tão aviltada por estes tempos, refira-se que Eitor Erlander não bebera sozinho, ainda que tivesse bebido mais, e ambos haviam partilhado um táxi, de onde ele saíra e onde o outro (ou os dois ou um qualquer), presumivelmente, deveria ter continuado até casa, o que não aconteceu, sabemos nós, sabiam ambos ou talvez tivessem sabido ou viessem a saber, porque, no momento em que achara boa ideia ter uma puta a mamar e, contemporaneamente, bater no estore dele ou do outro, já nem sabia (nenhum sabia) e pedir um copo de água, aí... - escrevia o narrador, terceira ou quarta figura, se contarmos com a puta fellatiosa, e agora comigo, o interim narrador, contratado para com o meu know how e experiência acumulada dar um fim a isto, fechar um estore com estilo, terminar um logro em que todos, eventualmente até a puta fellatiosa, estavam encharcados em bebidas brancas e imperiais urinentas e total e completamente para lá de qualquer racionalização ou, o adiantado da hora não ajudava, eram cinco e quarenta e oito viu o taxista, espantado por haver putas ainda a trabalhar... - Ah! Digo eu, já perdido nesta mal amanhada história de pinga e de putas, de estores e copos de água, de logradouros e indivíduos altos (se fosse eu não chegava ao estore, isso é certo) e avanço: "Ó Borrego, se fosses meu amigo davas-me um copinho d'água. Estou cheio de sede" e o estore fechou-se, sem estrondo apenas com um murmúrio.
Garfiar, só me apetece
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