29 janeiro 2006

Telhados

Da minha janela via o telhado da igreja e a torre sineira daquela cidade impregnada da mística dos Templários. Fixei-me nos cambiantes de cor de cada telha mas cada marca da passagem do tempo e do clima lembrava-me os traços do seu rosto, as sobrancelhas carregadas, o nariz aquilino, os olhos escuros como uma gruta por explorar, o sorriso irónico, os dedos esguios luzindo no copo de uísque da discoteca da noite anterior, os pés abanando ao compasso da música, os polegares a ajeitarem o cinto nas calças de ganga e esta última imagem não descolava da retina.

Era evidente que eu queria mesmo era mexer-lhe no espanta-espíritos. Provocar-lhe sons estridentes e sem qualquer regra rítmica. Estraçalhar-se o cinto, fazer saltar o botão, correr cada degrau do fecho e com as mãos em concha, beber água da fonte. Como se fosse líquido cefalorraquidiano a transbordar. E num abraço de ancas encaixá-lo até clicar, para numa descarga eléctrica lhe retribuir a cumplicidade do olhar.

Nisto, um ronco abafadito e uma volta de braços e pernas oriunda da minha cama de casal devolveu-me à realidade do meu objecto de desejo se encontrar noutro quarto daquela pensão de férias e perguntei-me, Sãozinha, se a eternidade não será a memória dos momentos de desejo que guardamos nos nossos telhados de massa cinzenta.

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