Tínhamos já bebido uma meia dúzia de cervejas quando ele se descoseu com a tirada que eu lhe sentia há algum tempo a queimar a língua:
- Eh, pá! Tenho uma coisa que gramo fazer às gajas.
Perante o meu mutismo, de interrogação no olhar, enquanto passava com a língua pela espuma colada aos lábios, ele, sabiamente, esperou que eu adiantasse a pergunta.
Olhei para ele, pisquei-lhe o olho e, com um breve sorrir, ele continuou, aceitando o meu gesto como se fosse o perguntar que ele queria ouvir de mim.
- Gramo essa cena das algemas, pá. E depois, o que mais gramo é pôr uma venda nos olhos delas e pular-lhes para cima.
Eu, que sempre gostara de sentir as unhas das minhas parceiras cravadas nas
costas e de olhar o branco dos olhos por entre as pestanas semicerradas
nas alturas dos apogeus, fiquei-me na expectativa.
- E elas gostam? - Perguntei lá do fundo dos meus ingénuos verdes anos.
- Se gostam?! As gajas torcem-se todas, querem deitar as mãos à gente e, ao sentirem-se presas, entra-lhes um misto de angustia e tesão. Agora experimentei essa coisa pá.
Além de as algemar, depois de as aquecer, vendo-lhes os olhos. É uma coisa divina. Hás-de experimentar, pá...
Fiquei sem resposta.
- Nunca experimentei nada disso - Avancei depois de um ligeiro desconforto perante a súbita pequenez que sentia face à desenvoltura e segurança deste tipo.
Desviei o olhar e mirava as ondas que batem com força nos paredões da estrada marginal que segue para Cascais e que muitas vezes galgam a estrada.
Havia-o conhecido uns dias antes num minicurso e, um lanche depois e umas
cervejas uns dias mais tarde, haviam encetado o princípio de uma amizade.
- Não experimentaste ainda, pá? Tens de vir comigo.
Acordei subitamente.
Fiquei olhando em silêncio. Ele também.
Bebeu um pouco mais e olhando-me bem nos olhos prosseguiu derrubador:
- E se quiseres, pode ser já.
Recusei amavelmente mas ele adiantou logo:
- Aquilo não é putedo reles, ouviste? São moças que eu conheço e que é gente de classe, que gosta tanto disto como nós e é tudo com muita reserva e recato... não penses que... anda, pá!
Sorri para ele, pagámos e seguimos os dois, ele sempre falando e eu com um formigueiro leve a percorrer-me todo o corpo.
Alguns minutos depois parou o carro e disse-me para esperar um pouco.
Voltou com o dedo indicador sobre o nariz a pedir silêncio.
- Anda! Não faças barulho, pá. Vou fazer-te uma surpresa. Mas passe-se o que
se passar, não interrompas nem faças barulho. Mantém-te quieto até eu te chamar...
(continua)
Charlie
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