03 fevereiro 2012

«batatas fritas» - bagaço amarelo

Costumava ver-me ao espelho antes de pensar em matar-me. E digo costumava porque o fazia todos os dias, ver-me ao espelho e pensar em matar-me. Também desistia todos os dias da segunda acção. Acho que o fazia porque era confortável não me matar sabendo que o podia fazer. Acabar, duma vez por todas, com aquilo que via ao espelho.
É que não havia muito mais para além disso, uma mulher que nunca se tinha achado bonita, nunca tinha Amado ninguém nem sequer tinha vontade o fazer. Pior, não sei se algum homem alguma vez na vida tinha tido vontade de me Amar a mim. Um dia troquei tudo por cigarros uns atrás dos outros, que é como quem diz, troquei uma morte rápida por uma lenta mas com algum prazer.
A minha mãe costuma dizer-me que eu nunca devia ter deixado o Bruno. Que ele era bom partido e até já tinha casa paga. E eu lembro-me sempre dele sair da minha cama com o pénis ainda erecto e sujo de esperma, a correr para a sala para tentar ver o final dum jogo de futebol qualquer. Não conseguiu e voltou frustrado. Para a próxima temos que ser mais rápidos, disse. Eu calei-me e fumei um cigarro, destes que ainda fumo agora, com uma vontade enorme que ele saísse dali.
Depois desse dia aprendi que a solidão e a fome são irmãs chegadas, que ambas precisam de ser saciadas rapidamente. O problema é que, numa e noutra, quando se come depressa demais há o risco duma mulher se engasgar. Engasguei-me com ele da mesma forma que já me engasguei com batatas fritas. Sei que todos os homens que vieram a seguir ao Bruno me pareceram iguais. Alguns bons à vista mas todos sem sabor. Nunca comi nenhum.
À minha mãe comecei a inventar casos amorosos, só para ela ficar descansada. Fui criando homens que se mostravam interessados por mim mas que, por um acaso qualquer da vida, acabavam por se afastar. Depois comecei a inventá-los também para mim, principalmente nas noites em que não conseguia dormir. Acreditei em todos, pelo menos até hoje. Cruzei-me com o Bruno numa avenida qualquer da cidade e ele abraçou-me. Os abraços são como as batatas fritas. Saciam. Já me tinha esquecido disso.
Vejo-me ao espelho agora sem pensar em mais nada. Sabe-me bem não querer matar aquilo que está do outro lado, mesmo que não consiga responder ao meu sorriso forçado. Ele perguntou-me se eu estava bem e respondi que sim. Trocámos os novos números de telemóvel e prometeu que me telefonava hoje. Estou à espera. Dum abraço.

bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

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