03 maio 2013

Prostituição - a minha história (XI)


Retalhos

Bebe-me
que eu sirvo-te estremeções
que eu sirvo-te a dor
que eu sirvo-te rasgões
por uma gota de amor



Verão de 1997... (...) e eis-me à porta, com a mesma estranheza inicial, como se fosse a primeira vez mas soubesse o que se passa ali porque li num livro, a minha vontade refém daquele Mundo do fantástico e do dinheiro, eu prisioneira de mim. Entro e sento-me na sala, mulheres e sacos e uma caixa de pizza pelo chão. Mas onde estás tu, Joana? Do outro lado do espelho. Uma das moças, seríssima, contava os preservativos, outra experimentava vestidos demasiado curtos, com um ar satisfeito. Uma terceira moça que sempre me pareceu sofrer ligeiramente de Tourette, de vez em quando levantava-se, como se tivesse molas, e saltitava, começava a andar eléctrica de um lado para o outro da sala, mexia-se como se tivesse os braços e as pernas demasiado compridas para o resto do corpo e alguém lhe puxasse os ombros para trás, ao mesmo tempo gostava de gritar "olho do cuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu, olho do cuuuuuuuuuuuuuuuuuu", muitas vezes dizia aquilo e outros disparates com um ar de enorme satisfação e linguagem corporal adequada ao disparate, estava a ver TV e lá vinha: "olho do cuuuuuuuuuuuuuuuuuuu", vinha de uma apresentação: "olho do cuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu", falava-se em almoço ou lanche: "olho do cuuuuuuuuuuuuuuuuuuu"... Outra, uma loira, explicava que trabalhava à noite e que era tudo muito fácil e estava tudo planeado, se alguém a seguisse para casa a pensar em assaltá-la, ela tinha aquilo e tirava o "aquilo" da mala que era uma arma, semi-automática, que ela mostrava com a naturalidade e diversão de quem mostra uma pulseira. As outras moças, quando a apanhavam pelas costas, contavam que não queriam ir trabalhar com ela quando os clientes pediam duas meninas porque, nesse caso, o atendimento devia durar uma hora mas bastava o cliente ir ao wc fazer um xixi para ela se levantar cheia de pressa, fazer a cama e vestir-se; quando o cliente voltava ficava, claro está surpreendido mas ela mexia-se e falava tão depressa que os despachava para fora do quarto em segundos. Dizia alto e bom som não aceitar "fazer uma hora, só meia hora, porque uma hora não compensava financeiramente" mas quando era escolhida e lhe perguntavam, na sala, se podia ser uma hora dizia que sim, claro que sim. Ouvia-se a recepcionista ao telefone, numa voz muito fininha a parecer uma menina: "siiiiiiiimmm, eu faço tudinhooooooooo, gosto muiiiiiiiiiiitoooooo", a campainha tocava, "olho do cuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu", "apresentaçãããããão", outra queixava-se "ai, tinha as unhas a meioooooooooooo", tocava novamente a campainha e, de repente, sentavam na nossa sala, no meio de nós, um homem qualquer, no meio daquela cena, o homem com o corpo completamente imóvel, os olhos muito abertos, as pernas encolhidas como se se sentisse a ocupar muito espaço e, de vez em quando, girava o pescoço de um lado para o outro, da esquerda para a direita, como um autómato saído de um cartoon, eu imaginava em cima da cabeça dele, vários balões de texto que ilustravam o seu pensamento: "sexooo, sexoooo, mamaaaas, raboooooos...". (Continua)