"Ainda não seriam 11 horas quando o relógio do quarto bateu na sala as 12 badaladas. Por toda a casa ouviu-se o ruído silencioso que soou no corredor. Passos lentos aproximaram-se rapidamente à distância. De súbito, sem que eu duvidasse, ela apareceu, nua, vestindo uma túnica opaca de tecido transparente que não deixava adivinhar os contornos do seu corpo. Sorriu-me sem que qualquer músculo do seu rosto se movesse. Imóvel, estendeu a mão na minha direcção, pousando-a sobre a pedra da lareira. Olhou-me de costas, flectiu a perna esquerda que se mantinha direita e, sem articular uma palavra, afirmou perguntando:
- Chove lá fora, está um belíssimo dia para sair, ficamos em casa hoje.
Estranhei a certeza com que me admirei por não me surpreender com beijo oferecido que não me deu. Sobressaltei-me calmamente quando, num gesto súbito longamente reflectido, se ajoelhou à minha frente e me abraçou por trás. Confesso negando que naquele momento, volvidos alguns minutos, um frio abrasador circulou parado por fora do interior do meu ser inexistente, adormecendo os sentimentos insensivelmente despertos. Levantei-me imóvel e conduzi-a parada ao sofá da cama. Lentamente, beijei-a apressado sem lhe tocar. Minutos depois, sem que o tempo tivesse passado, rebolámos imóveis no colchão do tapete. Os seus gritos de prazer inaudíveis soaram calados na sua apatia. O seu corpo húmido, desfez-se por inteiro na aridez do seu espírito...
Olhámo-nos invisíveis, sonhámos a realidade de nos amarmos sem ainda nos conhecermos e, numa atracção de afastamento, unimos nossos corpos separando-os, numa fúria mansa, incontida na prisão de termos hoje o que amanhã seremos.
Bartolomeu"
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Uma por dia tira a azia