25 outubro 2006

O Eleito



Aquele caramelo fez-me crer que me amava, seja lá isso o que for, ou mais coisa menos coisa é aquela sensação de uma atenção especial a que nos sentimos votados e na qual também embarquei, para tudo somado me sentir refrão do tema dos Heróis do Mar, dos longíquos anos oitenta, que apregoava que "com o amor não me mataste o desejo".

Razão tem um amigo meu que defende que as relações deviam ter prazos definidos, tal qual como as limitações de mandatos para cargos políticos dependentes de eleições. É que isto está tudo ligado porque quando esta gaja, perante a campanha empenhada do candidato o elegeu como mais que tudo do seu coração, cabeça e membros, esperava que ele não se afastasse gradualmente desta sua eleitora, que não se esquecesse de regularmente confirmar a sua atenção com aquelas coisas insignificantes como o pequeno nada de um sorriso em cada manhã e quiçá, a articulação de uma palavrinha, ou até com as ofertas triviais de canetas, isqueiritos ou qualquer plasticozinho que reforçassem a manifestação de interesse pelo conteúdo desta que nele votou .

Bem pode aquele marmanjo discursar que está aqui, como na canção do Abrunhosa, porque não me aquece nem me arrefece que os móveis também estão aqui e não me passa pela cabeça que eles me amem. Bem pode depositar o seu voto na minha urna, regularmente à mesma hora e na mesma cama que, engolido assim à laia de prescrição médica, apenas me concede uma frigidez temporária.

É por isto que doravante vou passar a exigir um presta-contas semanal ou está impugnada a eleição e num estalar de dedos mudo o sentido de voto.


(Roquivários, Cristina In Pronto a Curtir,1982)

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