05 janeiro 2007

O embrulho

por Charlie


Lembro-me bem do primeiro dia em que sem querer nela tropecei.
Do rubor e a sensação a desastrado, que me amargou durante alguns instantes, quando lhe pedi que me desculpasse enquanto apanhava o embrulho que ela transportava nas mãos e que caíra com o meu encontrão.
- Ah...Desculpe-me por favor.... Ia distraído e nem reparei…Deixe que eu apanho. – disse um pouco atrapalhado.
Foi só quando me levantei para lhe fazer a entrega que reparei no seu ar divertido, quase zombeteiro.
- Não faz mal. – respondeu-me meio a rir enquanto recebia das minhas mãos o que transportara.
Despedi-me dela com um curto cumprimento e seguimos o rumo do destino, mal sonhando nas peças que ele nos reserva quando menos esperamos.
Não dera ainda dois passos quando sem saber porque estranho impulso me voltei de repente e dei com ela parada a olhar para mim. Não tentou disfarçar, antes pelo contrário. Os seus olhos procuraram os meus enquanto mordia levemente o lábio inferior.
Durante um breve lapso de tempo ficámos olhando mergulhados no mesmo compasso de espera. Tudo ao redor desapareceu. Nem sons nem os outros transeuntes aflitos para capturar as fatias de tempo que lhes roubavam a vida. O relógio perdeu o sentido e só o coração ficou mestre de Chronos.*
Naquele instante apenas duas pessoas havia em todo o Universo ligadas pela porta aberta dum olhar. Depois, movido pela força inexplicável que faz andar o mundo, avancei para ela e convidei-a para um café.
Lembro-me bem como lhe peguei levemente no braço que adivinhava por debaixo do espesso casaco de Inverno e nos cinco ou seis passos rápidos, quase corrida no salto final, com que atravessámos uma daquelas ruas travessas contíguas às Avenidas Novas de Lisboa. Do cheiro do seu cabelo e do nosso café bebido e fumado a meias a uma mesa e do convite para a sessão de cinema.
E foi com sublime gozo que nessa mesma noite a vi despir-se calmamente no seu quarto de estudante, recheada de livros abertos e cadernos cheios de apontamentos, e a desembrulhar o misterioso pacote que eu deixara cair das suas mãos nessa tarde.
- Gostas?- perguntou ela enquanto em frente ao espelho se mirava segurando contra o corpo as peças de lingerie negra finamente rendilhada com que me aguçava os apetites.
- Se gosto? – Respondi enquanto me aproximava e segurava no wonderbra e as mãos dela se ocupavam da peça inferior. – Gostar é o verbo que eu aplicaria quando deixei cair esta tarde o embrulho das tuas mãos. -
- E não é para isso que isto serve? – Terminou ela deixando cair as peças para cima da cama enquanto selava o curto diálogo com os seus lábios nos meus e deslizávamos suavemente entre os leves farrapos de rede negra com que ela me tinha capturado….

* Chronos: Figura mitológica Grega representativa do Tempo

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