03 julho 2010

A prostituta azul (VII)

A dor que não dói na ferida é dor que dói na dor. Quando nem ferida existe é - por vezes - a dor dos que gozam a vida que sentem, porque algo sentem, nem que dor seja. Assim, poderá a dor dar um gozo obsceno, quase violento aos que a sentem, se antes incapazes de algo sentir ou incapazes de outra coisa sentir. Só quem morre não sente; eu vi a dor ressuscitar de prazer quem se julgava condenado a uma morte colada ao nome. O toque cruel, vestido de violência fria, estalava na pele submissa, nua; despertava do sono as gargalhadas de pasmo inundadas, roucas de um desprezo recém-adquirido pelo entorpecimento. Tudo estava duro, nítido; a realidade fervia uma ejaculação precoce que agora poderia escorrer numa doçura de contrastes vivos, tão vivos, apiedados. E ela? Ela bateu-lhe mais, por dó, por pena, por delicadeza, por compaixão; bateu-lhe mais, bateu-lhe até ao princípio. O homem deixou a morte, deixou os papelinhos coloridos de feio e foi-se embora. Ela morreu um pouco que nunca mais reanimou e nunca mais o reanimou.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia