As mãos dançam na gaveta já aberta e a gaveta é a dos sonhos e a gaveta é o teu peito, o teu peito nu, vestido de nu, e tu agora estás aqui. E agora eu sonho e agora eu acordo e tu és um homem e depois um menino e depois um passarinho, abro-te um olhar, tu abres as mãos, mostras as penas, o bico esticado para os beijos pequeninos, são migalhas de fatias, do miolo de ternura, eu acordo e tu agora estás aqui. Ainda é de madrugada, o Amor diz que não dorme, que não consegue dormir, que os adormecidos nunca conseguiram amar, que só consegue sonhar e sonhar e sonhar mais, encosta-se um bocadinho na nossa cama, chora, está feliz, os sonhos inundam-nos e levam tudo, tudo, já não temos lençóis, vem cá, tapo-te com luar, tu agora estás aqui. A Lua está em quarto, outra fatia, eu dou-te tudo, e roda e roda e roda, pendurada pelo fio e eu rodo nela, rodo sobre ti, afinal eu sou o fio e o eixo de rotação e rodo e rodo e abro os braços e posso abrir os olhos, só o Mundo tem vertigens, eu já não, tu agora estás aqui. E os pés estão pesados e doem e ainda me falta o i do doem e tu percebes que me falta tanto o i e sais a procurá-lo e voltas e contas-me que as estrelas guardam os meus is porque as estrelas não têm lábios e, assim, cada estrela nos sorri. E voltas e contas-me e os dedos bonitos, tão bonitos, descalçam-me todas as noites, é um ritual, oxigénio inventado por ti, respiro e tu aqueces os meus pés, ainda pequenos, sempre pequenos, todas as noites, tu agora estás aqui. Agradeço-te ao Amor e aos sonhos e às estrelas e à Lua e ao Deus e já nem sei a quem mais agradecer, tu agora estás aqui.
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Uma por dia tira a azia