Porém, existe uma parte de mim que se deixa influenciar pelo coiso que trago agarrado e nem sempre o gajo é boa influência.
Sim, apesar de ser uma pila decente (excelente, segundo dizem) tenho no meu percurso a mácula de crimes que pratiquei de forma involuntária, apanhado de surpresa pela iniciativa do coiso agarrado a mim e sua natureza marginal.
Sei que não há duas passarinhas iguais, são como as impressões digitais e existe sempre um detalhe que as distingue do resto da passarada. Ouvi até contar que as há mais renitentes, inacessíveis, sem contacto conhecido com qualquer piroca!
Claro que julguei tratar-se de um mito urbano. Mas naquele dia o coiso agarrado a mim enfiou-me, desprevenido, numa dessas fortalezas com portão reforçado. Aquilo parecia um mostruário ambulante da Securitas. E eu percebi logo que estava metido onde não era chamado, aquela passarinha tinha o caminho barrado e cabia-me, só o percebi nessa altura, a tarefa de literalmente arrombar a porta e tomar de assalto o espaço que, estando assim vedado, era com certeza proibido e por isso ilegal.
Quase desfaleci quando me percebi metido na boca da loba (a boca em sentido figurado, claro) e sem hipótese de bater em retirada sem me comprometer enquanto cúmplice do coiso que me empurrava contra a muralha defensiva com menos aceleração, é certo, mas com o mesmo vigor a que me habituara.
Fiquei ali sem saber muito bem o que fazer, mas às tantas percebi que já estava mergulhado no esquema até às orelhas (em sentido figurado também, naturalmente) e mais valia tratar do assunto quanto antes, para evitar ao máximo ser apanhado com a boca na botija ou a coisa agarrada à passarinha desatar práli aos gritos como já me tinha acontecido tanta vez.
Bom, lá acabei por consumar o assalto à piroca armada e quebrei as defesas daquele bastião anti-piroca. Mas só eu sei o que me custou, aquela tensão permanente, o medo de ser apanhado por algum sistema electrónico de vigilância (uma piroca às escuras não consegue topar, por exemplo, uma webcam lá instalada) e aquela sensação desconfortável de não se saber se no meio de tanta cabeçada no portão não se deu cabo de alguma dobradiça. Uma nóia, digo-vos eu...
Claro que muitas pirocas não acreditam em mim quando lhes falo desta experiência (não digo que era eu, claro, digo que apenas ia a passar e testemunhei a ocorrência). Dizem que nunca entraram numa dessas passarinhas e acham que não passam de invenções de pilas com pouca rodagem ou com problemas no motor de arranque, desculpas de mau pagador.
Mas eu estive lá e vivi essa aventura marcante, esse momento traumatizante que algumas (muito poucas) pirocas mais batidas diziam ser pintado pelos coisos agarrados a nós como uma espécie de vitória, por serem os primeiros a desbravar esses territórios por explorar.
Mas a mim só apetecia chorar, de remorso.
Pelo menos até ao dia em que a coisa agarrada à tal passarinha telefonou ao meu apêndice a pedir para lá irmos outra vez...
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Uma por dia tira a azia