Foi uma cena de filme: dois indivíduos param o automóvel, abrem a mala, tiram com algum esforço um grande tapete enrolado e atado com uma corda em volta, que parecia embrulhar qualquer coisa com a forma de um corpo, e lançam-no, com inesperado à vontade, às águas acastanhadas do Tejo. Fizeram-no com tal descontracção que quem viu a operação – atletas de fim de tarde, namorados de principio de noite e velhos babosos interessados em ver as atletas e as namoradas (e um que via os atletas e os namorados) – ficou espantado mas sem acreditar verdadeiramente no que via.
E, quando os dois homens se meteram no carro e se afastaram calmamente, os mais esclarecidos e os menos distraídos com as atletas que continuavam a correr e com as namoradas que continuavam a passear – o que apreciava os atletas e os namorados não pensou em nada, ou melhor, censurou os homens por deitarem fora um tapete com tão bom aspecto e uma corda nova – procuraram câmaras de filmar e tomaram atenção para ouvir um “corta” gritado. Só que nada aconteceu, ou melhor, aconteceu o que tinha de acontecer da forma mais prosaica que seria imaginável: o tapete afundou-se e desapareceu, os homens sorriram a quem os olhava e seguiram sem deixar rasto, matrícula ou algo que ajudasse à sua identificação e os atletas continuaram a correr, os namorados a namorar e os velhos (alguns não eram assim tão velhos) continuaram a tomar atenção aos corpos em que estavam interessados.
Para variar, a polícia chegou um pouco depois, o que causou um certo burburinho e expectativa entre os presentes, reconheça-se, mas o agente vinha buscar um dos velhos que, sem mostrar os genitais, se masturbava e gritava palavras de incentivo quando as corredoras passavam – as palavras eram de incentivo ao seu acto e não aos dotes atléticos das corredoras, o que, provavelmente, provocava os indignados telefonemas anónimos efectuados por vozes ofegantes para a policia – e, por isso, o burburinho e as expectativas esmoreceram e desapareceram logo que o agente em vez de se dirigir ao rio se dirigiu, como habitualmente, ao velho indecente.
– Ó Artur, pá, sabes bem que tenho uma grave micose na virilha – resmungou o idoso, justificando-se sem tirar a mão direita de dentro das calças quando o agente o abordou.
O agente riu-se e, agarrando-o cuidadosamente pelo braço esquerdo, disse-lhe:
– Vamos lá embora, senhor Anselmo.
O velho levantou-se e, após um longo suspiro, murmurou:
– Estava quase, pá. Quase! Hoje é que era…
– Mas porque é que você grita, homem?
– É mais forte do que eu – reconheceu o velho onanista encolhendo os ombros. O agente sorriu, condescendente. Picado pelo sorriso, o velho ergueu o braço e num gesto largo que abarcava todos os mirones resmungou injustiçado: – E eles?!
– Eles não gritam – informou lacónico o agente, abrindo a porta do pendura do veículo com o dístico de “Escola Segura” para o velhote entrar.
O velho aceitou a resposta, que sabia ser verdadeira, pediu ao agente que o deixasse em casa e contou-lhe a estranha história de dois tipos que levavam um tapete na mala do carro e que, sem mais, o tiraram do carro com esforço, porque o tapete estava pesado e parecia enrolar qualquer coisa, e depois o deitaram ao rio mas o agente – tal como vocês – não acreditou.
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