24 março 2012

A posta numa cauda maior do tamanho do umbigo

Um dos maiores desafios que me foram colocados na adolescência foi o de conseguir chamar a atenção pela diferença (uma das abordagens mais radicais mas igualmente muito eficaz nessa fase, nessa época), algo que ficava bem a um jovem aspirante a rebelde, até porque a New Wave e o Punk introduziram no visual da rapaziada uma variedade de cortes e de cores suficientemente espalhafatosa para clarificar a postura.
E garanto-vos que não era fácil impor a tal diferença de forma passiva, com uma aparência quase normal a ombrear com franjas até ao umbigo, caracóis oxigenados até à raiz ou clones do último dos moicanos com um tufo de cabelo espetado como o de um piassaba a fazer de faixa central num crânio rapado à máquina zero all around.

Era esse o filme que nos esperava nas matinés do Beat ou do Porão da Nau nas quais urgia dar nas vistas perante as miúdas para ser possível a esperança de um engate, algo de muito significativo do ponto de vista do adolescente com pila naquela altura e espero que no de agora também.
Claro que ajudava ter um rosto apresentável mas era quase inevitável que elas se concentrassem nos pormenores que faziam a tal diferença que nos distinguia por entre os litros de acne e metros cúbicos de hormonas destrambelhadas espalhados pelas salas em busca do seu momento especial.
Aprendíamos depressa que mais importante do que uma cara bonita era a expressão que lhe colávamos que podia fazer a diferença entre as resmas de trombas de otários cheios de tiques de tanto sacudirem as carolas para tirarem as franjas dos olhos. A partir daí, desse instante mágico em que ela nos fixava com o olhar e fazia-se um clique qualquer que abria as portas ao curtir, que eram umas horas intermináveis de beijos na boca e pouco mais do que a promessa de algo mais que seria sempre algo marcado para amanhã ou depois logo se via.

Esses rituais de acasalamento acelerado à luz das psicadélicas ou em movimento retardado pelo estranho piscar do strobe eram o primeiro agitar das penas enfezadas na cauda de qualquer jovem pavão, assumindo-se assim vitais para a manutenção de um ego confiante e de uma atitude a condizer, numa guerra sem quartel pela quota de mercado disputada no mesmo território de gajos capazes de passarem uma hora ou mais na manutenção das suas cabeleiras espaciais e que julgavam sempre réplicas perfeitas das trunfas do Limahl ou dos gajos dos Duran Duran.
Mesmo admitindo que a essa concorrência feroz dei o mesmo tratamento que ainda hoje costumo aplicar, transformando aquelas superproduções capilares em sinais claros de desespero de causa por escassez de argumentação alternativa que, depois de refinado o paleio pela observação atenta dos discursos dos mais bem sucedidos no bairro ou na escola, servia de contraponto para a música com que abafávamos a que mal nos permitia trocar mais do que três ou quatro palavras seguidas, tenho que enfatizar a dificuldade enfrentada por quem queria marcar a diferença sem precisar para isso de seguir um padrão...

Tudo isto a propósito de como as coisas não mudam tanto assim com o tempo e continuam a dar cartas os gajos que mais investem no visual, seja porque se depilam ou porque vão ao ginásio dia sim dia também ou porque usam os óculos de sol que mais estiverem a dar nessa semana. E serão gajos igualmente capazes de utilizarem uma hora da sua existência para cuidarem de tudo ao pormenor, de abraçarem visuais extravagantes no limite do inenarrável ou de qualquer outro recurso numa guerra onde vale tudo menos arrancar olhos para dar nas vistas e ultrapassar assim a barreira inicial, a da indiferença, sem precisarem de outras armas para vencerem a primeira das batalhas.
Contudo, e também isso não muda com o tempo, o último a rir continua a ser o que ri melhor.

E na verdade o que interessa, quando a poeira assenta, é um gajo conseguir sempre saber onde estava afinal a piada.