09 outubro 2006

Pulsão


Às quatro e meia da tarde posicionava-me virada para janela, refastelada, para dar de beber aos olhos. Era quando quatro moçoilos bem apessoados desciam presos numas cordas que lhes realçavam os apetrechos nos calçonitos. Todos tinham cabelos a dourarem-lhes as pernas, à excepção de um que em vez de ucraniano talvez fosse romeno.

E naquele dia pensei que não era tarde nem cedo para um encontro de culturas e precipitei-me para fora do prédio, a aguardá-los na sua chegada ao solo. Naquelas camisolas de cavas qualquer um deles exibia músculos sem as deformações do culturismo e, assim à vista desarmada, nenhum tinha tatuagens de amor de mãe nem sequer daquelas coloridas mais recentes.

Aprovados que estavam, acendi um cigarro e encarei-os num sorriso que se abatia por eles como as suas esponjas pelas vidraças. Cochicharam entre eles e lá houve um que se decidiu a caminhar até mim, pedindo um cigarro com uma pronúncia que não escamoteava as origens. Retirei o maço da mala e estendi-lho de forma a roçar-lhe os dedos, aguardando o contacto directo dos seus olhos para pestanejar rapidamente e debicar o lábio com a ponta dos dedos. O gajo podia não falar a língua de Camões nem tampouco a de Lobo Antunes mas também a única gramática que pretendia da sua língua e das suas fibras compreendia regras bastantes simiescas para dispensar qualquer outra coerência.

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