Tinha chegado ao fim do percurso que diariamente as suas pernas faziam sem que ela lhes indicasse o caminho.
Andavam por si mesmas; meros pontos de contacto entre o chão e o mundo turbulento que lhe preenchia o interior, perdido para lá do olhar que se esvaía entre as últimas estrelas e a vermelhidão da vigília com que os seus olhos se fundiam na madrugada a findar.
Lentamente e sem ouvir os passos que calcavam a calçada dobrou a esquina e começou a descer a rua que de repente lhe escondia o céu, reinventando a noite na estreiteza apertada e a escuridão alta das casas.
Dentro da sua cabeça batia-lhe o zunir da última
Passou por debaixo do arco e avançou dois ou três metros, de forma mecânica, rodando para a direita enquanto baixava a cabeça mexendo na roupa.
Sem que desse por si, de forma automática, tirou a chave do bolso e abriu a porta.
Poisou a mala, despiu o casaco curto deixando-o cair sobre uma cadeira e avançou.
Um cheiro familiar fê-la tentar um ligeiro inspirar. Tossiu umas duas ou três vezes arrastando uma rouquidão persistente enquanto praguejava. Tirou um cigarro, acendeu-o e aspirou profundamente.
- Já chegaste? – chegou a ela meio abafado vindo do quarto de porta entre aberta.
Não respondeu e aspirou de novo. Desta vez de forma nervosa e entrecortada.
- Que pergunta... – Respondeu finalmente. – Quem querias que fosse? -
Dirigiu-se à casa de banho enquanto se ia aliviando da roupa, que tresandava de cheiro a tabaco e à vitória do general suor.
Tirou a lingerie, detendo-se por um instante nas cuecas húmidas e mirou o seu corpo nu ao espelho.
-... As rugas, meu Deus... Ando com umas olheiras...-
A água começou a correr quente sobre a pele. Uma massagem deliciosa, quente e doce.
Mãos e espuma numa orgia silenciosa e envolvente.
Passou com o sabonete pelo sexo e fechou os olhos. Noites a fio homens tinham instantes seus a troco de notas, indo-se embora com os pedaços de si que lhe tinham comprado.
Saiu enrolada na toalha. Na sala estava ele. Despenteado e de barba por desfazer a escurecer o rosto. Mexia na mala e em cima da mesa, espalhadas, várias notas de diferentes valores reinventavam o caos por entre envelopes e papéis.
- Só isto?! -... Olhou para ela.
Não respondeu. Ao invés, mexeu num dos envelopes e tirou um papel que consultou num relance.
- Vais mais logo pagar a luz... Passa pela lavandaria a ver se já tem o outro casaco limpo.
Vou deitar-me...
Acorda-me antes da uma...-
Charlie.............
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Uma por dia tira a azia