01 maio 2011

«Fantasia» - por Rui Felício


Parecia adormecido...
Só o cadenciado ondular traía a sua calma e denunciava a imensidão.
Embalado pelo som surdo das ondas a desfazerem-se na praia, ali fiquei, sentado na areia húmida, a olhar a linha do horizonte, onde se fundiam os azuis do céu e do mar.
Sem querer, recordei as vezes que ali passeei com a minha filha, de mãos dadas. Éramos cúmplices daquele ambiente mágico, daquela lonjura ao nosso alcance.
Por vezes nadávamos, lado a lado, ao longo da linha da praia, entre as rochas que a delimitavam a norte e a sul.
Foi numa dessas vezes que tudo aconteceu.
A dado momento, enquanto nadávamos em direcção às rochas, algo me chamou a atenção.
Pareceu-me a cauda reluzente de um grande peixe dourado. Preocupado, esperei pela minha filha que nadava atrás de mim. Acenou-me com a cabeça de que também vira o mesmo que eu.
Mantivemo-nos à tona, com lentos movimentos dos braços e das pernas, observando, atentos, o local onde tínhamos visto a bela cauda do peixe.
De repente, entre o susto e a estupefacção, vimos uma coisa que jamais imagináramos poder existir naquelas águas.
Emergindo do mar, surgiu uma bela mulher, de longos e anelados cabelos dourados, que nos deixava ver um corpo escultural.
Os seus olhos amendoados, cor de mar, meigos, melancólicos, hipnotizavam-nos. Era impossível deixar de sentir aquele olhar trespassar-nos a retina e mergulhar no mais fundo do nosso ser, acelerando-nos o coração, que doía doce...
Dos seus lábios carnudos e bem desenhados, saía um som melodioso, suave, um quase choro, que nos arrepiava os sentidos...

Era com certeza uma sereia. Afinal existiam!
Por instantes, ela ficou ali a fitar-nos num movimento suave , síncrono, até que mergulhou e desapareceu nas profundezas...
Ainda esperámos algum tempo, na expectativa do seu reaparecimento. Mas, até hoje, nunca mais foi vista...
-Filha, guardas um segredo? – perguntei...
Meio confusa, meio aturdida, respondeu-me que sim...
Disse-lhe que aquela visão, seria o nosso segredo. Ocorreu-me justificar-lhe o pedido, fantasiando e dizendo-lhe que as sereias não aparecem a todos, e que, se aquela tinha resolvido aparecer-nos é porque confiara em nós, é porque nos achava pessoas de bem, pessoas especiais...
Sublinhei que o olhar da sereia mostrou que tinha confiança em nós. Acreditou que nós saberíamos manter o segredo que lhe permitisse continuar a sua vida no paraíso do fundo do mar, sem ser incomodada pela multidão de curiosos e incrédulos que acabariam por devassar a sua privacidade, se divulgássemos o que tinhamos visto.
Sei que a minha filha, passados tantos anos nunca quebrou a sua promessa de manter intacto o nosso segredo.
E eu, também não estou a quebrá-lo, porque não vos vou dizer em que praia é que isto aconteceu...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

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