18 setembro 2006

As cunhadas.

- É bem feita! Já há muito tempo que eu andava desconfiada dela...
Ai mas isto foi uma coisa...!
- Tens razão, muito embora não tivesse muita ligação com ela, até porque fui sempre de manter a distância, achava que havia ali algo que mordiscava a minha sensibilidade. –
Mantiveram uns momentos de silêncio e deram mais uns passos.
- Sabes? Querida cunhada, é tudo uma questão de educação, de berço. Nós somos de outras famílias, de outros círculos. Enfim! Não nos fica mal dizê-lo porque estamos só aqui as duas, e ninguém nos ouve, mas sabes?...
- Nós somos a nata da sociedade, e ela... –
E rindo ligeiramente, sentindo a partilha e a cumplicidade consoladora a coroar o sentimento de distinção por pertencerem à mesma elite, levantaram ambas quase em simultâneo a chávena de chá de louça ultra fina em porcelana Japonesa.
Deram um sorvo delicado, olharam em redor ao longo do manto verde pintalgado de coloridos e continuaram em silêncio, caminhando devagar até ao balcão que separava o pátio do palacete do imenso jardim, enquanto afagavam com uma mão o calor na base do pires e com a outra a asa da chávena. Estávamos num dos últimos dias em que o fresco do ar anuncia a mudança de estação e em que o sol acaricia ainda com prazer as poucas horas claras do dia. Quase em simultâneo levantaram as chávenas, bebendo praticamente de seguida o resto do chá agora já menos quente a fazer sobressair o gosto a doce do açúcar que resta num fino manto, quase lençol de seda, revelado aos sentidos no salivar do último sorvo.
Detiveram-se nos desenhos de corpos em lascívias, emergentes através dos fundos translúcidos postos a nu pela luz que as atravessava e expunha corpos de amantes em entregas e volúpias de sonho. Estilizados e a seguir a configuração circular do fundo do recipiente, sugeriam muito levemente as posturas fetais. Felatios e cunilungus em imagens feitas de traços finos revelavam, após segundas ou terceiras leituras, novas imagens. Genitais envolvidos em línguas e peitos, em grande plano, que se viam durante uns instantes e perdiam-se novamente na leitura dos corpos inicialmente expostos ao primeiro contacto com os olhos e que se recuperavam outra vez, fazendo o olhar coincidir com as linhas mestras quase escondidas dessas outras e mais intensas intenções.
Pousaram as chávenas.
Olharam uma para a outra. De pensamentos gémeos, sem querer transparecer o que os seus olhares traíam irremediavelmente.
Em silêncio desviaram a atenção para o relvado e para mais além onde as imagens das recordações foram tomando o lugar da aguarela de tons e luz, de verde e sombras, pintalgados aqui e ali pelos pontos de cor a anunciar a despedida, o fim duma época.
Sim. O Pedro tinha andado em segredo com as duas. Nunca saberiam uma pela boca da outra dos encontros secretos na casa das arrumações, ao fundo do jardim, quase escondida pela vegetação, e onde ele dormia no meio dos apetrechos de jardinagem. Das cenas que agora uma e outra saboreavam intimamente em gostos de amargura ao sabê-lo agora com ela; a outra, cunhada por casamento em segundas núpcias do irmão bastante mais velho, entretanto falecido, e mulher sem qualquer traço de nobreza, ascendência familiar ou fortuna.
Como era possível o Pedro ter feito aquilo.?
E logo com ela!
Ainda há poucos dias havia estado com uma delas, tinha ele acabado de dar banho, hábito provençal e desusado, após ter terminado os trabalhos de jardim. Ainda nu, de toalha ao redor do tronco e cabelo molhado, desgrenhado.
Ela tinha entrado suavemente, vestida em trajes leves, verificando se não estava ninguém a ver, detendo-se no corpo musculado e nu do seu serviçal. Nem esperou mais. Atirou-se a ele de lábios e corpo em ebulição rebolando sobre o sofá vermelho que ele tinha quase como único adereço. Meu Deus. como aquele homem a preenchia...
Ai...! Como ele e só ele a sabia levar às nuvens! E em quinze anos a viver naquele palácio com um marido quase sempre ausente em Paris nos meandros da corte, tirando os banquetes mensais e as breves aventuras vividas com o jardineiro, toda a vida se resumia à rotina da criadagem e aos chás servidos às rodas de visitas em eternas maledicências. Na forma dissimulada como criavam e desfaziam as tricas entre si, cunhadas condenadas a viver juntas, pesasse embora a grandeza daquele espaço. Odiavam-se profundamente, embora partilhassem sem que uma da outra soubesse, as delícias daquele corpo agora ausente para sempre.
Voltaram para dentro.
- Temos de falar aos nossos maridos, para arranjarem um novo jardineiro, agora que o Pedro se foi. –
- Pois...- Respondeu a cunhada. Esperou um pouco e inspirou fundo.
- Os jardins estavam sempre tão bem cuidados... -
- Ele era ainda novo, mas tinha bom gosto e era cumpridor... -
E voltou a face para esconder o rubor enquanto se afastava rapidamente para os seus aposentos, deixando a cunhada só e a olhar para o fundo do jardim através da porta ainda meio aberta.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia